Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Putin não tem apoio popular garantido para guerra em grande escala com a Ucrânia

Ofensiva necessária para esmagar Kiev hoje teria um custo real com consequências imprevisíveis

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A culpa é do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos. A maioria do público na Rússia parece unida em apontar o dedo para os culpados pela crise que representa a maior ameaça militar na Europa desde o fim da Segunda Guerra.

Mas Vladimir Putin, apesar da alta popularidade que mantém, não tem motivo para esperar o cheque em branco que recebeu quando anexou a Crimeia em 2014, sem disparar um tiro, e desestabilizou a região do Donbass com ajuda dos "pequenos homens verdes", soldados da reserva ou ativa sem uniforme oficial das Forças Armadas russas.

Presidente Vladimir Putin em cerimônia em Moscou nesta quarta-feira (23)
Presidente Vladimir Putin em cerimônia em Moscou nesta quarta-feira (23) - Aleksey Nikolskyi - 23.fev.22/Kremlin/via Reuters

É fato que Putin reprimiu e devastou a mídia independente desde a incursão anterior no leste da Ucrânia. Tentou assassinar e depois prendeu seu mais visível adversário, Alexei Navalni. Empresas de mídia, jornalistas e seus advogados vivem hoje sufocados por ameaças de prisão sob leis que os designam "agentes estrangeiros", um rótulo com tons stalinistas que espanta anunciantes e financiadores de jornalismo não censurado pelo Kremlin.

Ao mesmo tempo, nos últimos oito anos, a dieta de informação na mídia russa ajudou a martelar a imagem do ucraniano "nazista", disposto a provocar "genocídio" na população étnica russa do leste.

Um solitário instituto independente de pesquisa de opinião, o Levada, consulta o público russo regularmente sobre o destino da região em disputa no Donbass. Um quarto reponde que a área deveria ser anexada à Rússia; outro quarto acredita que a área deveria continuar território da Ucrânia; um pouco mais de um quarto acredita que deveriam ser repúblicas independentes; o último quarto não tem opinião.

"Não há uma opinião geral", diz ao site independente Meduza o cientista político Denis Volkov, diretor do Levada.

Apesar do forte antiocidentalismo que cresceu depois das sanções impostas com a anexação da Crimeia, Volkov não acredita que haverá o que ele chama de "consenso de Donbass" —apoio irrestrito como o que Putin recebeu em 2014.

As pesquisas do Levada não perguntam diretamente se as pessoas são a favor de uma guerra com a Ucrânia. Não há sinal de que mesmo os defensores da autocracia de Putin apoiariam um ataque a Kiev. Em 2014, os mortos voltaram para casa sem honrarias oficiais.

A escala de ofensiva militar necessária para esmagar uma Ucrânia mais bem treinada e mais armada pelo Ocidente provocaria não só a procissão de corpos, mas outro custo real, com consequências imprevisíveis.

A mesma inquietação com a economia e a corrupção que reforçou a mensagem de Navalni e foi refletida nas eleições parlamentares em setembro passado teria que ser enfrentada com investimentos domésticos em infraestrutura para ajudar a blindar Putin nas urnas.

Não é possível entrar numa guerra total com a Ucrânia sem apertar o cinto na economia e arriscar descontentamento. Putin, o assassino serial de dissidentes, cuja sobrevivência —política e física— depende diretamente de seu esquema de proteção, manobrou para ficar no poder até 2036.

Ao contrário de um certo chefe de Estado que foi lamber suas botas na semana passada, Vladimir Putin não teme caminhoneiros ou policiais. A agitação que ele mais teme não é a de trabalhadores em greve. É a impaciência de seus guarda-costas, cleptocratas pragmáticos, não ideológicos, que estacionam seus iates de centenas de milhões de dólares em marinas europeias.

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