Lygia Maria

Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.

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Medicina negacionista

Nota do CFM e da ABP sobre a descriminalização da maconha presta desserviço à sociedade ao ir contra a ciência

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É espantosa —para não dizer vergonhosa— a nota divulgada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) contra a descriminalização da maconha no Brasil.
O texto começa dizendo que a planta "causa dependência gravíssima". Mas inúmeras pesquisas mostram que a cannabis é uma das drogas que menos predispõem ao vício.

Artigo da própria ABP, de 2002, reproduz dados dessas pesquisas e aponta que o risco de usuários de maconha desenvolverem dependência é de 10%, enquanto o álcool tem índice de 15%, opioides, 23%, e tabaco, 32%. Se, para o CFM, a dependência em maconha é "gravíssima", não sei qual adjetivo a entidade usaria para a descrever heroína ou nicotina —essa última, como se sabe, é legalizada e vendida na padaria da esquina, assim como álcool.

Processo de fabricação dos produtos à base de cannabis da Abrace-Esperança, associação com autorização judicial para o cultivo e extração do canabidiol
Processo de fabricação dos produtos à base de cannabis da Abrace-Esperança, associação com autorização judicial para o cultivo e extração do canabidiol - Adriano Vizoni-26.set.2019/Folhapress

A nota afirma ainda que a descriminalização "amplia o poder do tráfico, contribuindo para maiores índices de violência". Contudo, em "Análise econômica da proibição das drogas", Mark Thornton revela, a partir de revisão de pesquisas, que a legalização mina o tráfico, já que baixa preços, abre concorrência com produtos de melhor qualidade e retira as armas das negociações.

A experiência empírica da Lei Seca, que vigorou nos EUA entre 1920 e 1933, mostra que a criminalidade explodiu durante a proibição do álcool e diminuiu consideravelmente com a legalização. Mesmo assim, a nota nega a realidade: "não há experiência histórica ou evidência científica que mostre melhoria com a descriminalização de drogas ilícitas".

Segundo o CFM e a ABP, só países que agiram com maior rigor contra as drogas conseguiram diminuir consumo, dependência e violência. Pasmem: o combate ao tabagismo é citado como exemplo.
Ora, mas o tabaco nunca foi proibido. A comparação não faz sentido; ou melhor, até faz: mostra que a legalização é a melhor política pública para lidar com a maconha, ao regulamentar produção e consumo e retirar o tráfico da equação.

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