Acordo em um dia como outro qualquer. Bebo café, molho as plantas, escrevo piadas. Mas uma gota de suor escorrendo pela minha nuca me situa no tempo e no espaço. Moro em um país tropical assolado por uma onda de calor decorrente de mudanças climáticas.
Sento para escrever sobre isso, com o ar-condicionado ligado na máxima potência, porque também não sou de ferro. Procrastino nas redes sociais e vejo sangue, suor e selfies: corpos sem vida de crianças brutalmente vitimadas em Gaza e corpos sarados na praia do Leme.
Não é um dia como outro qualquer. Em meio a uma crise climática e uma crise humanitária, nossas máscaras estão caindo. O que inclusive me remete a uma regra básica de sobrevivência. Quando caem as máscaras de um avião despressurizado, a orientação é colocar a sua máscara primeiro, porque só assim você vai conseguir ajudar outras pessoas.
Se o mundo à nossa volta entra em crise, nosso instinto primário é o de autoproteção, e faz todo o sentido. Aqui não me refiro a padrões de comportamento culturais, estimulados por uma sociedade capitalista e individualista. São duas coisas diferentes, mas sinto que, cada vez mais, confundimos uma com a outra.
Tentando sobreviver, já não sabemos se somos o problema ou a solução. Oscilamos entre os papéis de vítima e vilão, impotentes para reagir a uma realidade brutal, coniventes com ela. A expressão "não sou de ferro" vira um escudo impenetrável. Nossa sensibilidade vira justificativa para a indiferença.
O fato de sermos tão contraditórios me lembra o que não podemos perder de vista, a nossa humanidade. É por isso que também me recuso a ser uma fiscal de selfie, ou de foto de biquíni.
Lembro um relato da minha mãe, que foi à praia quando minha irmã recém-nascida estava internada em estado grave. Depois de dias ao lado da incubadora, sem comer e sem dormir, minha mãe foi convencida por uma enfermeira a dar um mergulho no mar.
Era um dia de semana, a praia estava vazia, e ela poderia até parecer uma dondoca despreocupada, justo quando enfrentava um dos momentos mais desafiadores da vida dela.
Cada um sobrevive como pode. Mas a melhor estratégia ainda me parece olhar para si, não olhar para o lado, e beber bastante água.
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