Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Coelho

No futuro, teremos privadas luminosas

Ideais no Natal, bugigangas eletrônicas dissipam os limites entre o útil e o inútil

Marcelo Coelho

Não tenho de comprar muitos presentes de Natal hoje em dia —com o tempo, minha família se reduziu e todos chegaram a um consenso no sentido de evitar essa formalidade.

De resto, ninguém mais tinha imaginação para produzir surpresas todo ano, e alguns itens clássicos, como livros e discos, tornaram-se fáceis demais de conseguir, ou relativamente inúteis de ter, para funcionarem como presente.

A invenção humana, contudo, não tem limites, e o mundo da tecnologia é capaz de criar bugigangas cuja necessidade não conhecíamos.

Vi no UOL uma série de produtos que, em caso de desespero, não fariam má figura ao pé de uma árvore de Natal. Verdade que deve estar um pouco tarde para fazer a encomenda.

Ilustração
André Stefanini/Folhapress

Gostei muito de um misto de câmera e lanterna que, adaptado ao celular, funciona como um microscópio.

No site, ironicamente chamado "humblehousehold" (lar humilde), dizem que o aparelho pode aumentar em mil vezes o que vemos de uma planta, de um inseto, de uma gota d'água ou de um grão de pó.

Inútil? Certamente. Mas quando ganhei um microscópio, lá pelos oito anos, intensifiquei o gosto pela curiosidade pura; nenhuma pesquisa, nenhuma ciência entrava em jogo. Era apenas o prazer do "como será que é".

O mesmo presente, dado a meus filhos muitos anos depois, não teve o mesmo efeito: os microscópios de brinquedo atuais, feitos talvez na China, não funcionam direito.

E um microscópio dentro do celular é diferente —você pode tirar fotos, imagino.

O principal é que, como ninguém consegue se separar do celular por mais de dez minutos, o futuro de qualquer coisa depende de sua capacidade de estar acoplada ao aparelho.

Claro que, além do microscópio, o site oferece uma luneta astronômica, igualmente apta a se prender na borda do celular. Sou mais desconfiado nesse caso, porque depois do Hubble a visão doméstica das estrelas tende a ser decepcionante.

Mas um jornalista (bom pretexto) poderá a partir de agora registrar flagrantes de irregularidades, mochilas e conversas sem precisar de aparelho fotográfico profissional.

Quando todas as fotos estiverem arquivadas, virá a necessidade de um pen drive especialmente programado —esse eu vi no site http://br.smartgadgetsdaily.com/25-produtos— para sugar todas as fotos do computador ou do celular.

Passo pelo aplicativo que detecta defeitos de funcionamento no carro; esta é uma curiosidade que não tenho.

Já me dei mal, também, com o robô aspirador de pó. Era um bichinho silencioso, pequeno e diligente, mas sua inutilidade se revelava com o primeiro tapete, o primeiro desnível que tivesse de escalar no chão.

Alguns nomes são melhores que os produtos. A palmilha esportiva desenhada para despertar 400 pontos de acupuntura na sola dos pés não vale tanto quanto a ideia de chamá-la "euphoric feet".

Dos pés, vamos à cabeça, ou melhor, à nuca, com uma espécie de tipoia relaxante, a "neck relax", que naturalmente precisa de uma pilastra de aço fixada no assoalho de casa. Mais um problema para meu robozinho.

Uma vez instalado o suporte, você se deixa no chão e encontrará uma superfície acolchoada e pênsil pronta a sustentar a base do seu crânio. Antes de se deitar, não se esqueça de trazer o celular para ouvir música enquanto descansa. Mas será que sobra espaço para os fones entre a tipoia e seus ouvidos?

Não, não quero isso. Nem o localizador eletrônico de chaves —que, elas próprias, estão em vias de desaparecimento. Já não custa muito caro, dizem-me, instalar uma senha computadorizada na porta de casa.

Irresistível, entretanto, é o ar-condicionado que se liga no USB do computador. Seu tamanho é duas ou três vezes menor que o de uma impressora, e vem com uma linda luz colorida.

A qual pode se combinar com a da... —sim, amigos— a da privada! Iluminação ambiente, a escolher entre o verde-jângal, o azul-curaçau e o violeta-marie-brizard, emanará do meu vaso sanitário, assim como uma névoa de purificação do ar, imagino que na fragrância correspondente.

Como não desejar três privadas num só banheiro depois disso? Eis um presente e tanto para estes dias. Até o vaso sanitário se transmuta em árvore de Natal.

O ar-condicionado de mesa poderia produzir neve —quem sabe com o esfarinhador de papéis comprometedores que já podia vir junto da impressora. Tudo se recicla —e os conceitos de útil e de inútil se evaporam no caminho.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.