Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Coelho
Descrição de chapéu ameaça autoritária

Por que Bolsonaro recuou depois das manifestações do dia 7 de setembro?

De concreto, não me parece que o presidente tenha saído enfraquecido dessa confusão toda

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Leio o que posso, mas continuo sem entender direito o recuo de Bolsonaro depois das manifestações do dia 7. É como se faltasse o núcleo da história. As reações imediatas ao ato na Paulista não me pareceram tão decisivas assim.

Um discurso duro de Luiz Fux? A possibilidade de que o PSDB começasse a discutir o impeachment? Uma frasezinha tímida do presidente da Câmara, dizendo que não rediscutiria a emenda do voto impresso? A preocupação democrática de Gilberto Kassab? O desconforto do “mercado” com a turbulência política?

Ilustração de André Stefanini para coluna de Marcelo Coelho
André Stefanini/Folhapress

Tudo isso, mal ou bem, já estava no programa antes de a multidão se juntar para aplaudir o presidente. Cada pessoa vê o que quer. Houve quem considerasse que o ato na Paulista “não juntou tanta gente assim” e que tudo só confirmava “o isolamento de Bolsonaro”.

Para mim, foi uma demonstração de força e de grande capacidade de organização. Nada que forçasse Bolsonaro a divulgar um pedido de desculpas.

Explicações para isso dependem do que se apura nos bastidores, do que se levanta de conversas com lideranças militares, do que se ouve de fontes qualificadas.

Um entendimento entre Fux e os militares, fazendo com que a PM de Brasília não aderisse à baderna? Um entendimento entre o STF e Bolsonaro, assegurando que em troca do recuo presidencial se proceda a alguma “moderação” nas atitudes de Alexandre de Moraes?

Uma divisão entre os caminhoneiros, com menos adesão do que se pensava aos golpistas de Zé Trovão? Medo do próprio Bolsonaro diante de um caos econômico? Acho tudo improvável, ou inconvincente, ou misterioso demais.

De concreto, não me parece que Bolsonaro tenha saído enfraquecido dessa confusão toda. A decepção dos bolsonaristas ultrarradicais, depois do tal recuo, não durou muito. Eles não têm outro “mito” em quem confiar. Bolsonaro é tudo para eles, avançando ou indo para trás. Ao mesmo tempo, o presidente se qualifica como alguém capaz de “controlá-los”.

Depois de estimular caminhoneiros, milicianos e fazendeiros armados à confusão e ao crime, aparece como uma voz da “ordem” e da “população pacífica”, garantindo que tudo volte ao “normal”.

O recuo serviu, ademais, para desmobilizar as manifestações antibolsonaristas de domingo passado. Perdeu-se a urgência que justificaria a união entre petistas e antipetistas.

A volta à “normalidade” permite, no fundo, que a maioria das forças políticas se livre de suas reais responsabilidades. É como se Bolsonaro não fosse a única ameaça; o próprio impeachment parece um mau negócio. O cálculo eleitoral de Lula é bastante claro. Tudo aponta para uma vitória expressiva dele contra Bolsonaro em 2022. Por que haveria de mexer nesse quadro?

Bendito Arthur Lira! Como o presidente da Câmara não põe para andar os pedidos de impeachment, a oposição levanta os olhos para o céu e diz: “Está vendo? Não dá…”.

Já tivemos a Covid; agora temos o “nem Lula nem Bolsonaro” e o MBL para diminuir o ímpeto das manifestações pelo impeachment.

Arthur Lira se torna um pretexto, acho eu: se houvesse forte pressão das ruas pela deposição do presidente, a maioria dos deputados acabaria abandonando o barco. A situação se torna simétrica. A oposição gostaria do impeachment, mas prefere que o impeachment seja uma ameaça abstrata. O bolsonarismo gostaria de um golpe, mas prefere que o golpe fique pairando no ar.

A diferença é que a oposição não se prepara para impeachment, mas para as eleições, que dividem os que apoiam Lula e os que ainda buscam candidato.

Quanto a Bolsonaro, não se prepara para as eleições, mas para a derrota eleitoral. O Sete de Setembro funcionou como ensaio para o que sempre esteve disposto a fazer: contestar o voto eletrônico, tornar verdade o que os trumpistas no Capitólio tentaram como farsa.

Não digo que ele vá conseguir. Acho dificílimo. Mas é ele o maluco, o delirante, não eu. Se quisesse que PMs e caminhoneiros avançassem desde já no caminho de seu extremismo, não seriam os telefonemas de Fux ou as movimentações de Kassab que o impediriam.

Isolado e perdendo popularidade mais e mais, Bolsonaro continua acumulando forças. Depois de domingo passado, a “terceira via” parece mais enfraquecida do que nunca.

O incrível é que tanta gente se acomode nessa situação. Os dias se sucedem; a vida sempre parece “normal”, mesmo para quem mora em um hospício.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.