Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Além de vacas, árvores também expelem metano

Governos e opiniões ideológicas sobre mudança climática passam, mas a ciência objetiva fica

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Florestas absorvem carbono quando crescem. Esse é o padrão ensinado em incontáveis artigos, livros e escolas, e provavelmente é a pura verdade. Só que há um probleminha chamado metano.
 
Quando se fala em emissão ou absorção de carbono, em geral se entende o dióxido de carbono (CO2). É o principal gás da atmosfera a agravar o efeito estufa, porque sua concentração é alta e está aumentando: tendo partido de 280 ppm (partes por milhão) na era pré-industrial, estamos em mais de 400 ppm.
 
A última vez em que a Terra teve tanto CO2 na atmosfera foi há pelo menos 3,6 milhões de anos. No Ártico, a região do planeta que ora se aquece mais rápido, a temperatura estava 8ºC acima do que os termômetros registram hoje.

Outro gás do efeito estufa, o metano (CH4), tem concentração muito menor na atmosfera, mas cada molécula sua causa pelo menos 20 vezes mais estrago que uma de CO2. Vale dizer, o metano retém muito mais calor do Sol perto da superfície, aquecendo a atmosfera.
 
Por essa razão os climatologistas ficam de olho nas fontes de metano, também. A maior parte do que a humanidade emite dessa modalidade de carbono vem da agropecuária (digestão de celulose pelo gado e campos alagados de arroz, por exemplo). Também há perdas do composto na exploração de petróleo e gás natural.
 
Leio agora na revista National Geographic, em curiosa reportagem de Andrew Revkin, que árvores também emitem metano. Em algumas ocasiões, isso pode ser constatado a olho nu, na forma de bolhas que brotam de troncos recém-cortados.
 
A observação episódica era vista como curiosidade há mais de um século. Não mais, conta Revkin: acumulam-se artigos científicos com medições de metano oriundo de árvores. Algumas o absorvem perto do solo e o emitem no alto, pelos galhos e folhas; outras fazem exatamente o contrário. É, até certo ponto, um enigma.
 
Sabia-se que a emissão de metano acontecia em árvores de florestas sazonalmente inundadas, como os igapós da bacia do rio Negro, como se fossem chaminés para o metano produzido na decomposição anaeróbica de matéria orgânica alagada. Mas o gás vem sendo detectado e medido até em árvores de florestas de terra firme.
 
Importa agora descobrir qual é o balanço do metano produzido e emitido em cada tipo de floresta e região ou clima do globo. Isso ajudará a calibrar os modelos de computador que projetam as mudanças do clima no futuro.
 
Ninguém parece acreditar, contudo, que esteja ameaçado o paradigma segundo o qual florestas naturais ou plantadas ajudam a combater o aquecimento global, na medida em que sequestram o excesso de carbono da atmosfera. Muito menos que o metano eventualmente expelido por árvores possa representar qualquer apoio à ideia de que desmatamento seja algo positivo.
 
A lição a tirar dessas descobertas e mensurações são duas: 1. A química da atmosfera e sua interação com a biosfera terminam por revelar-se sempre mais complicadas do que sabemos hoje; 2. Quem faz o conhecimento sobre isso progredir são pesquisadores, e não políticos, lobistas ou blogueiros que se especializaram em pôr a mudança do clima em dúvida.
 
No presente, o equívoco mencionado na lição 2 tomou o poder no palácio do Planalto e no Ministério do Meio Ambiente —melhor dizendo, no governo todo de Jair Bolsonaro (PSL). Mas governos e opiniões ideologicamente motivadas passam, enquanto a pesquisa objetiva fica.
 
Uma das coisas boas do verdadeiro jornalismo —e da ciência— é ver-se com frequência constrangido a rever conhecimentos e convicções. Quem prefere ideias prontas e crenças arraigadas que busque outra profissão, ou outro tipo de leitura.

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