Marcia Castro

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

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Marcia Castro
Descrição de chapéu Eleições 2022 alimentação

O cenário de desigualdade influencia o voto?

A base da pirâmide social brasileira está em ruínas; se desabar de vez, o topo cai junto

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Pesquisa recente da Oxfam de percepção da população brasileira sobre as desigualdades mostra que há consenso sobre a necessidade de que o Estado implemente políticas públicas visando à construção de uma sociedade mais justa e com menos desigualdades.

A pesquisa mostra que 85% da população acreditam que o progresso esteja condicionado à redução das desigualdades, 87% declaram que é obrigação do governo implementar políticas para reduzir essas desigualdades, porém 65% não acreditam que será possível reduzir as desigualdades nos próximos anos.

A percepção do contexto de desigualdades se refletirá no voto, ou a normalização da miséria e o ceticismo social farão com que esse tema não seja considerado na escolha dos futuros representantes do legislativo e executivo? A resposta determinará os novos rumos do Brasil.

Mulher mostra panela vazia
Entre novembro de 2021 e abril de 2022, quase 60% da população enfrentou algum tipo de insegurança alimentar; 15,5% (33,1 milhões) passaram fome - Itawi Albuquerque - 14.set.22/Folhapress

O retrocesso que o Brasil sofreu nos últimos anos foi rápido, e a retomada será lenta. Cortes de verba já executados e outros previstos para o orçamento de 2023 tornarão mais lenta a retomada, e as desigualdades aumentarão ainda mais. Isso tudo acontece com a aprovação da Câmara dos Deputados, que tem a função de representar o povo no âmbito federal.

Os desafios e suas desigualdades são inúmeros. A evasão escolar aumentou, e em agosto de 2022 quase metade das crianças de 11 a 19 anos que largaram a escola o fizeram para trabalhar. A situação é pior entre as crianças de baixa renda e as que vivem na região Norte.

A baixa cobertura vacinal aumenta a chance de reintrodução da pólio. O subfinanciamento do SUS coloca em risco a saúde de três quartos da população que dependem do sistema público.

Alguns dos desafios, como a fome, são questionados pelo atual governo. Não bastasse negar a ciência, também há negação de fatos. Mas fatos são fatos. Entre novembro de 2021 e abril de 2022, quase 60% da população enfrentou algum tipo de insegurança alimentar; 15,5% (33,1 milhões) passaram fome. As desigualdades da fome são muitas.

Regionalmente, Norte e Nordeste concentram os maiores percentuais. Socialmente, a situação é pior entre famílias de baixa renda e com moradores menores de 10 anos. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2018, pessoas com renda de até dois salários mínimos consumiam em média 199 kg de alimentos por ano, enquanto os que tinham renda acima de 15 salários mínimos consumiam 429 kg por ano.

Além disso, Relatório das Nações Unidas estima que, no Brasil, o desperdício alimentar nos domicílios é de 60 kg per capita por ano (12,5 milhões de toneladas). O desperdício alimentaria os 33,1 milhões que passam fome com cerca de 380 kg por ano.

Isso tudo acontece no país que é o maior exportador de açúcar, café, suco de laranja, soja em grãos, carnes bovina e de frango, e o maior produtor mundial de soja em grãos, café, suco de laranja e açúcar, o segundo de carne bovina e o terceiro de frango e milho. Cerca de 60% da soja e um terço do milho produzidos são exportados.

Ou seja, a produção e a exportação são altas, o desperdício é uma vergonha, e a distribuição dos alimentos é desigual. Essa cruel matemática da alimentação é considerada na hora do voto?

A base da pirâmide social brasileira está em ruínas; se desabar de vez, o topo cai junto. Mais uma vez, trago Josué de Castro: "Enquanto metade da humanidade não come, a outra metade não dorme, com medo da que não come".

Em duas semanas o povo brasileiro vai às urnas. Que as escolhas de deputados, senadores e presidente sejam pautadas não por interesses individuais, mas por uma visão de país justo e menos desigual. Parece poético, utópico, mas para quem valoriza a Constituição e a cidadania, essa é a única opção.

Erramos: o texto foi alterado

O texto "O cenário de desigualdade influencia o voto?", da colunista Marcia Castro, foi publicado erroneamente na coluna Desigualdades durante o começo da manhã de domingo (18).

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