Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mathias Alencastro

Bolsonaro é inimigo da lusofonia

Presidente brasileiro promove a negação dos países de língua portuguesa como espaço geopolítico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A reinauguração do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, um momento importante para uma cidade que se acostumou a conviver com a decadência de seus patrimônios urbano e arquitetônico, também pode ser lida como um sinal de resiliência de uma ideia, a lusofonia.

Com a sua tentativa fracassada de redesenhar as relações internacionais brasileiras, Bolsonaro também foi o primeiro presidente a promover a negação dos países de língua portuguesa como espaço geopolítico.

Ele está prestes a se tornar o primeiro presidente da era democrática a nunca ter realizado uma visita oficial a Lisboa.

Melancólicas, as relações com a África lusófona se resumem a uma querela de bispos neo-evangélicos.

Abandonada pelo Brasil, a Comunidade de Países da Língua Portuguesa reuniu-se recentemente em Luanda apenas para constatar sua impotência diante da internacionalização do conflito no norte de Moçambique.

Visivelmente as manifestações políticas às vésperas da reinauguração do museu estavam sendo demasiadamente cordiais e republicanas para Bolsonaro. Ele então partiu para a provocação e a negligência.

Começou por responder ao evento organizado por João Doria com um anúncio bizarro sobre uma visita oficial do “Bolsonaro da África”. Ele se referia, aparentemente sem saber, ao autocrata da Guiné Bissau, conhecido, como ele, por suas paixões golpistas.

Em seguida, Bolsonaro se deslocou ao estado de São Paulo, só para deixar claro que prefere andar de moto a prestigiar a primeira cerimônia internacional sediada pelo Brasil na era pós-pandemia.

Disposto a encontrar o presidente do Brasil a qualquer custo para salvar o que pode ser salvo das relações protocolares, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, também parece preocupado em preservar o seu lugar na história.

O seu encontro em São Paulo com três ex-presidentes da República sugere que Portugal, e mais amplamente a Europa, está mais atenta à crise democrática brasileira do que a habitual postura de neutralidade deixa entender.

Alienado por Bolsonaro, o Brasil vê a história passar ao seu lado. Este ano, celebram-se os 60 anos de um dos acontecimentos mais relevantes para o Brasil no século 20: o começo da guerra colonial no Império português.

Foi a previsível derrota do regime salazarista que obrigou a ditadura militar brasileira a romper com o apoio ao colonialismo. Sob o comando do chanceler Azeredo da Silveira, Brasília reconheceu a independência de Angola e inaugurou uma nova era das relações Sul-Sul.

Muito além da diplomacia, a descolonização da África portuguesa, e as utopias construídas durante esse processo, levaram à criação de um universo político e cultural que muito influenciou os movimentos negros brasileiros. A celebração desse momento de emancipação vem sendo praticamente ignorada neste lado do Atlântico.

Claro que tudo isso é irrelevante para o governo. Na sua visão, o Brasil pró-populistas e dependente econômico da China pode se dar ao luxo de relegar as relações com os países de língua portuguesa à categoria de relíquia.

A construção de uma alternativa a esse projeto passa pela quebra da letargia em que a lusofonia mergulhou depois de anos de ataques incessantes do governo brasileiro contra a diplomacia e a cultura.

Cabe às autoridades republicanas presentes na cerimônia de sábado lutar para que a reinauguração do Museu da Língua Portuguesa não seja apenas mais um ato de resistência.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.