Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Mathias Alencastro

Atual guinada à esquerda não é a mesma que varreu a América Latina nos anos 2000

A posse do chileno Gabriel Boric, 36, marca uma das diferenças fundamentais: a geracional

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Três características fundamentais distinguem a onda rosa que tomou a América Latina no início dos anos 2000 da que começa a se consolidar com a vitória da esquerda no Chile, antecedida por eleições no México, na Argentina e na Bolívia, e que pode ganhar nova dimensão com a perspectiva de governos progressistas na Colômbia e no Brasil.

A primeira característica é geracional. Gabriel Boric, 36, construiu sua trajetória política na defesa da democracia, enquanto seus predecessores entregaram suas vidas ao combate às ditaduras militares dos anos 1970. O peso da história moldou a ação dos governos da primeira onda em ao menos duas frentes.

O presidente chileno, Gabriel Boric, durante a cerimônia de posse, em Santiago
O presidente chileno, Gabriel Boric, durante a cerimônia de posse, em Santiago - Jorge Villegas - 12.mar.22/Xinhua

Ao serem sucedidos por outros governos democráticos, deram o passo de libertar os latino-americanos do passado de golpes, repressão e tortura. Mas a solidariedade regional, forjada por décadas de militância conjunta, também se revelou um obstáculo na hora de denunciar a deriva autoritária em países aliados da região. Em sua posse, Boric ousou e assumiu a vontade de virar a página: reverenciou Salvador Allende e a resistência latino-americana, mas não convidou os líderes de Nicarágua, Venezuela e Cuba.

A segunda característica é econômica. A chegada ao poder da primeira onda coincidiu com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio em 2001 e o desencadear do superciclo de commodities.

Num mundo em que o aumento da geração de renda parecia infinito (o superciclo só atingiu seu pico em 2011), todas as utopias eram permitidas. A centralidade do petróleo na prosperidade econômica da América Latina dava respaldo a décadas de teses sobre a relação entre a luta pela soberania, o fortalecimento da indústria e a gestão dos recursos naturais.

A realidade de hoje é mais incerta. Se o contexto de alta de commodities se repete, o paradigma da economia política internacional mudou radicalmente. O imperativo da transição energética, tornado inevitável pela crise climática, obriga os novos governantes a olharem a indústria fóssil não como o começo, mas o fim de uma era econômica para a região.

A terceira característica é, precisamente, a forma como a esquerda pensa o futuro da América Latina. No começo do século, a onda rosa uniu todos os governos, inclusive os não alinhados ideologicamente, em torno da necessidade de dar uma voz única à região depois de um século de hegemonia norte-americana.

Mas tudo mudou na última década. A China não se tornou apenas o maior parceiro comercial da região. Ela também aproveitou as divisões do Mercosul para acelerar a incorporação de países-membros dentro do seu espaço geopolítico e até negociou acordos bilaterais de livre comércio.

A competição entre superpotências abre possibilidades extraordinárias para os governos da segunda onda rosa. Mas elas só poderão ser realizadas se a América Latina se unir em torno de uma plataforma progressista, que a permita agir como uma unidade geopolítica dentro de um mundo multipolar.

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