Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Guerra representa desafio histórico, mas é cedo para anunciar funeral da UE

Ninguém, nem mesmo Putin, pode descartar que Europa concretize sua autonomia energética

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O colega colunista Helio Beltrão escolheu uma boa semana para retomar o clichê mais envelhecido da Guerra da Ucrânia: "Putin joga xadrez, e Bruxelas, bolinhas de gude".

Na última quarta-feira (14), Ursula von der Leyen apresentou o plano da União Europeia para o inverno mais desafiador do pós-guerra. Ela confirmou o objetivo de reduzir a dependência do gás russo por meio de uma combinação de políticas tributárias e fiscais, do lançamento de um banco público para o desenvolvimento de hidrogênio e da reformulação do mercado de eletricidade do bloco.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, com Volodimir Zelenski, presidente da Ucrânia, em Kiev - Serguei Supinski - 15.set.22/AFP

Vladimir Putin, entretanto, perdeu alguns peões no xadrez e viu sua rainha ser ameaçada. Suas conquistas territoriais foram comprometidas por uma contraofensiva relâmpago do Exército ucraniano. O desempenho errático da Rússia no campo de batalha está sendo abertamente questionado por apoiadores internos e externos do regime, sobretudo a China, sua principal fiadora geopolítica.

O desafio da UE não pode ser subestimado. É grande a distância entre as projeções da tecnocracia de Bruxelas e a opinião pública europeia, aturdida por contas de luz espantosas. Depois de ver colapsar o seu modelo econômico de três décadas de exportação de bens tecnológicos para a China e importação de energia barata da Rússia, a Alemanha se encontra em estado de choque. Às vésperas de um reality show eleitoral da extrema direita, os italianos se preparam para desertar o debate estratégico europeu.

Ainda assim, a história nos ensina a evitar os funerais antecipados. Nunca faltaram profetas para anunciar o colapso iminente da União Europeia, seja na crise da zona do euro, no brexit, na pandemia e agora na guerra. Aconteceu sempre o contrário. Impotentes, os Estados soberanos foram transferindo as suas competências para a esfera de Bruxelas. Outrora uma fantasia inalcançável, a ideia de Estado federal está se tornando uma realidade pela força desses choques sistêmicos.

Os próximos meses também vão testar a credibilidade de outro clichê prevalente entre comentaristas, o da suposta desvantagem das democracias liberais no planejamento industrial de longo prazo.

O Kremlin acumulou divisas no começo do conflito e disseminou, com muito sucesso, a ideia de que a Europa seria terrivelmente enfraquecida pela utilização russa do petróleo e gás como arma.

Todavia ninguém, nem Putin, pode descartar a possibilidade de que a Europa sobreviva e concretize a sua autonomia energética. Nesse caso, a Rússia veria estabelecida a sua inferioridade no conflito entre os Estados Unidos e a China. Sua posição favorável no Sul Global poderia ficar comprometida pelos avanços da transição energética e pelas oportunidades econômicas que tais progressos proporcionam aos países emergentes. A invasão da Ucrânia deixou claro que a UE ainda é uma minipotência. Mas a sua resiliência pode alterar o cálculo das superpotências envolvidas na guerra do inverno na Eurásia.

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