Embora o assédio sexual no trabalho ocorra em todas as áreas, as denúncias de maior impacto, que deram impulso ao movimento MeToo, envolveram nomes do cinema e da televisão. Dois, em particular: Roger Ailes, criador e diretor da Fox News, e Harvey Weinstein, produtor cinematográfico, dono da Miramax e da Weinstein Company.
Ailes perdeu o cargo em julho de 2016, depois de uma série de denúncias públicas sobre o seu comportamento abusivo com mulheres de todos os escalões, de apresentadoras veteranas a jornalistas iniciantes.
Uma série, “The Loudest Voice” (ainda não disponível no Brasil), e um filme, “O Escândalo”, ambos lançados no ano passado, descrevem a trajetória de Ailes como predador sexual. Os dois mostram que a derrocada do executivo teve origem na corajosa decisão de uma ex-âncora, Gretchen Carlson, de acioná-lo na Justiça sob a acusação de abuso sexual.
Após o caso Ailes, outras denúncias atingiram executivos, âncoras e comentaristas de televisão de diferentes canais nos Estados Unidos.
A série “The Morning Show”, igualmente de 2019, embaralha algumas dessas situações do mundo real para contar a história fictícia do âncora de um programa importante de uma grande rede de TV, que perde o cargo após o seu comportamento abusivo ser objeto de uma reportagem do New York Times.
Mais importante, a série da Apple TV+ procura mostrar que havia uma “cultura” dentro da empresa, de alto a baixo, que protegia, tolerava e fechava os olhos para os abusos do famoso apresentador. A ruína de Weinstein, em outubro de 2017, foi resultado de duas investigações jornalísticas, realizadas de forma paralela, nos meses anteriores, pelo New York Times e pela New Yorker.
A história do produtor de cinema seguramente vai inspirar filmes e séries. Por ora o que temos são dois livros, recém-lançados, nos quais os autores das reportagens descrevem suas aventuras para convencer algumas das dezenas de vítimas de Weinstein (fala-se em mais de 80) a contar as suas terríveis histórias.
Jodi Kantor e Megan Twohey, autoras de “Ela Disse” (ed. Companhia das Letras), publicaram a primeira grande reportagem sobre o caso em 5 de outubro de 2017. Ronan Farrow, autor de “Operação Abafa” (ed. Todavia), publicou a sua matéria cinco dias depois.
O livro da dupla de repórteres do jornal é extremamente didático sobre a técnica jornalística. Diante da dificuldade de obter provas dos abusos de Weinstein, elas se dedicam a demonstrar que a empresa do produtor fez mais de uma dezena de acordos de indenização com funcionárias ou atrizes assegurando confidencialidade dos casos. As ocultações revelavam as denúncias, ensinam.
O livro de Farrow tem um tom mais pessoal. Ele era repórter da rede de TV NBC quando começou a investigar Weinstein e descreve como executivos do canal puseram inúmeras pedras no caminho no esforço de derrubar e engavetar a sua reportagem. É um episódio vergonhoso na história do jornalismo da emissora.
Não por acaso, alguns executivos e jornalistas da NBC também tinham um passado e um presente de denúncias de assédio a funcionárias. Emparedado, o repórter deixa o canal e publica o material na New Yorker.
Tanto Kantor e Twohey quanto Farrow relatam os esforços de Weinstein para barrar as investigações, seja fazendo pressão direta sobre os chefes dos repórteres, seja com a contratação de empresas de relações públicas e de espionagem para desacreditar as fontes e os próprios jornalistas. Tudo muito real.
Em nome da transparência, informo que tenho um livro, sobre Silvio Santos, publicado pela mesma editora que lançou a obra de Farrow.
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