Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mauricio Stycer

Melodrama 'Hollywood' reescreve história de negros e gays nos anos 1940

Série é um novelão cafona, que termina por atenuar o que havia de pior naquele mundo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ryan Murphy é dos mais prolíficos criadores de séries de TV das últimas duas décadas. Levam a sua assinatura, entre outras, o drama médico “Nip/Tuck”, a comédia musical “Glee”, o terror “American Horror Story”, o policial “9-1-1” e o drama “Pose”.

Eclético e sintonizado com o gosto de alguns nichos de público, Murphy coleciona bons resultados de audiência com a maioria dos seus trabalhos.

Após o sucesso de “Pose”, que retratou um universo de bailes musicais e cultura LGBT nos Estados Unidos nas décadas de 1980 e 1990, contando com o maior elenco trans da história da TV americana, Murphy foi contratado pela Netflix.

O acordo com o serviço de streaming, anunciado em fevereiro de 2018, ocorreu meses depois da contratação de Shonda Rhimes, outra campeã de séries bem-sucedidas (“Grey’s Anatomy”, “Scandal” e “How to Get Away with Murder”, entre outras).

A mídia especializada americana afirmou que Murphy assinou um contrato de cinco anos para a realização de séries, documentários e filmes para a Netflix por um valor, sem precedentes conhecidos, de US$ 300 milhões (cerca de R$ 1,6 bilhão).

O primeiro fruto do contrato foi a série “The Politician”, cuja temporada inicial estreou em 2019. É um bom cartão de visitas para o trabalho de Murphy.

Misturando comédia e drama, em tons bem exagerados, narra as aventuras de um jovem milionário, que ambiciona desde cedo ser presidente dos Estados Unidos. Muito inteligente e dedicado, Payton Hobart
(Ben Platt) é gay, adotado e, por isso, perseguido pelos irmãos gêmeos, que são ignorantes.

O rapaz é mimado pela mãe, Georgina, papel de Gwyneth Paltrow, uma mulher fútil que trai o marido com a treinadora de equitação. A segunda temporada está sendo produzida. Gilberto Braga seria capaz de adaptar e fazer uma boa novela para a Globo com esta história.

O segundo trabalho de Murphy para a Netflix acaba de estrear. Mais ambicioso que “The Politician”, a minissérie “Hollywood” busca retratar a chamada época de ouro dos grandes estúdios de cinema, na segunda metade da década de 1940.

O roteiro mescla personagens e situações reais com tipos fictícios para, inicialmente, expor alguns podres daquele mundo. A indústria de cinema era racista, machista e homofóbica. Agentes de atores impulsionavam carreiras em troca de favores sexuais.

O roteirista negro e gay não pode assinar o roteiro do seu filme. A atriz de origem asiática nunca vai protagonizar um filme. A atriz iniciante negra só ganha papéis como serviçal. O jovem ator gay precisa posar como galã heterossexual.

Após apresentar este mundo cruel e real, a história de Murphy dá uma guinada e embarca na chamada “história alternativa”. E se o grande estúdio escalasse a jovem atriz negra como protagonista? E se o roteirista negro e gay pudesse assinar o filme? E se o agente de atores canalha se redimisse?

“Hollywood” resulta, assim, em mais um novelão, melodramático e cafona, que termina por atenuar o que havia de pior naquele mundo.

Nada contra o gênero escolhido por Murphy. Há algumas semanas falei sobre “Complô contra a América”, que também recorre a uma história alternativa, mas para especular sobre um pesadelo —e se Charles Lindbergh, que tinha simpatias pelo nazismo, tivesse disputado e vencido Franklin D. Roosevelt na eleição presidencial de 1940?

Tarantino, igualmente, recorre à história alternativa para rir e debochar dos vilões em “Bastardos Inglórios” e “Era uma Vez... em Hollywood”.

O que causa má impressão na minissérie de Murphy é a ideia, sugerida pelo final feliz, que aqueles problemas da década de 1940 foram realmente superados.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.