Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Maratona

'Cidade Invisível' mostra que catálogo de séries da Netflix é um McDonald's

Produção expõe a dificuldade de universalizar histórias com sabor local e, infelizmente, é descartável

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"Cidade Invisível”, lançada em fevereiro, é uma série que parece concebida em laboratório para preencher os requisitos desejados pela Netflix. É uma história fundada em lendas do folclore brasileiro, com pano de fundo de defesa do meio ambiente, criada por um profissional que fez carreira em Hollywood, destinada a fazer sucesso em mercados ao redor do mundo.

Ou seja, é uma série com tempero local, para fazer um agrado ao espectador brasileiro, com um padrão de produção acima da média nacional. E com a intenção de também chamar a atenção de espectadores de outros 190 países em meio à profusão de ofertas do cardápio do serviço de streaming.

Não há nada de errado com essa ambição. Já há alguns anos, a Netflix entendeu que precisaria crescer para além do mercado americano. A dificuldade é conseguir realizar algo que fuja do óbvio e do superficial tendo de agradar a tanta gente ao mesmo tempo.

No fim de junho de 2017, a empresa registrou pela primeira vez um número maior de assinantes no exterior do que nos Estados Unidos — 52,03 milhões ante 51,92 milhões. Hoje são 204 milhões, sendo 73,9 milhões nos Estados Unidos e Canadá.

Em 2019, no lançamento de “Coisa Mais Linda”, essa estratégia foi abertamente detalhada por Maria Ângela de Jesus, então diretora de produções originais nacionais da empresa de streaming.

“Viajar é algo que nós ambicionamos, que nós queremos, que é importante para nossas histórias, no sentido de levar o Brasil para o mundo. É o lado bonito do nosso trabalho. Levar nossa cultura, nossas histórias, nossa paisagem para o mundo”, disse ela.

Assim como “Coisa Mais Linda”, “Cidade Invisível” é exemplar da complexidade envolvida neste esforço da Netflix de se firmar como uma multinacional do entretenimento audiovisual. O McDonald's das séries de TV, com programação padronizada, mas aberta a uma ou outra produção nativa.

A série foi criada por Carlos Saldanha, diretor de “A Era do Gelo 2” e “Rio”, entre outras animações de sucesso, e desenvolvida inicialmente por Raphael Draccon e Carolina Munhóz, autores de literatura fantástica, que hoje vivem em Los Angeles. O roteiro final é de Mirna Nogueira.

A escolha do protagonista de “Cidade Invisível” também encontra explicação neste projeto multinacional. Em 2018, Marco Pigossi trocou uma carreira como galã de novelas da Globo para fazer uma série da Netflix na Austrália (“Tidelands”). Em seguida atuou numa série da empresa na Espanha (“Alta Mar”).

Pigossi interpreta o detetive Eric, de uma delegacia de crimes ambientais, e se vê enredado numa história que envolve um projeto de destruição da floresta, crimes misteriosos e situações assombrosas. Ao seu redor, gravitam seres míticos, como o Saci, a Cuca, o Curupira e a Iara, disfarçados como gente comum vivendo num Rio de Janeiro nada realista.

Este “Saci power no terreiro global”, como bem sintetizou o crítico Gabriel Priolli, é realmente original e muito bem-intencionado, mas aos mesmo tempo frustrante, porque em momento algum sai da superfície. A série parece não querer incomodar o espectador com temas complexos e evita se aprofundar em relação aos muitos aspectos da mitologia.

Seria injusto dizer que “Cidade Invisível” tem a leveza de “Emily em Paris”, outro projeto com as características de um Big Mac da Netflix. A série de Saldanha está num patamar superior.

A simples transformação destes personagens do folclore brasileiro em tipos de uma série policial com sabor fantástico é motivo para festejar “Cidade Invisível”. Mas é uma pena que o projeto se ofereça como um produto tão simples e descartável. Espero que a segunda temporada, anunciada nesta semana, seja mais corajosa.

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