Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro

Apagando o fogo no Ninho do Urubu

Série investiga causas e responsabilidades de tragédia no Flamengo, mas com timidez

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A morte de dez jovens, entre 14 e 17 anos, em consequência do incêndio em um dormitório do Flamengo, completou cinco anos em fevereiro sem que ninguém tenha sido responsabilizado criminalmente pela tragédia. Até aí, nada de novo sob o sol.

Um livro, "Longe do Ninho", de Daniela Arbex, e uma série documental, "O Ninho: Futebol e Tragédia", dirigida por Pedro Asbeg, aproveitam a data para fazer talvez a única coisa possível nessa situação: honrar a memória das vítimas e prometer que os fatos não serão esquecidos.

As vítimas do incêndio no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo - Reprodução

Vou falar da série, um original da Netflix, realizado pela produtora A Fábrica a partir de ideia original do UOL. Ela dá uma boa ideia do potencial e das limitações de produções de caráter documental erguidas com os pés firmes no jornalismo, mas com o ímpeto contido por forças não muito visíveis.

Nenhum dirigente do Flamengo foi entrevistado para a série. Causa estranheza, em especial, a ausência dos últimos dois presidentes, Eduardo Bandeira de Mello (2013–2018) e Rodolfo Landim (desde 2019), que aparecem apenas em imagens de arquivo.

Para tornar tudo ainda mais enigmático, a produção não informa se tentou entrevistá-los. Tudo indica que sim, mas a Netflix se limita a fazer um comunicado genérico no final: "Foram feitos os esforços possíveis para ouvir outras famílias, sobreviventes, representantes legais do Flamengo e outros envolvidos nesse trágico episódio. Alguns nunca responderam e muitos se recusaram a participar".

É surpreendente não ver listado os nomes dos que se recusaram a dar explicações, em especial aqueles que são acusados de corresponsabilidade e/ou são fortemente criticados ao longo de toda a série por omissão e falta de empatia com os parentes das vítimas.

Como se sabe, o Flamengo abrigava as crianças em um contêiner provisório, com capacidade para 36 pessoas (seis quartos com três beliches cada), sem saída de emergência, sem detector de fogo ou de fumaça, inúmeros materiais inflamáveis e janelas gradeadas. O curto-circuito num ar-condicionado transformou o local "quase num forno", como disse um perito.

Para além da responsabilização criminal, a série examina o drama social. Aqueles jovens, selecionados para treinar num dos maiores clubes do país, encarnavam a chance de ascensão social de seus familiares. Por esse motivo, a indenização devida pelo Flamengo aos parentes é um tema tão sensível.

A série procura mostrar que o clube adotou uma postura fria e defensiva, enfatizando a chamada gestão de crise e os cuidados com a própria imagem.

Inicialmente disposto a fazer um acordo coletivo, mediado pela defensoria pública, o Flamengo acabou optando por negociações individuais, protegidas por confidencialidade. Apenas uma família não fez acordo. Segundo um advogado entrevistado, foram "acordos muito ruins".

Sem se aprofundar, a série menciona um tema essencial: a visão da opinião pública, em especial a do torcedor do Flamengo, a respeito das indenizações. Numa entrevista à ESPN, Landim disse: "Não poderia pagar um valor estratosférico que iria afetar tremendamente (o clube)".

A defensora pública Cintia Guedes é explícita: "Num primeiro momento, a torcida do Flamengo se solidarizou com as famílias", diz. "Depois, o clube passou a ideia de que, se ele gastar muito dinheiro indenizando as famílias, ele deixa de investir nos atletas".

Em algumas passagens, "O Ninho: Futebol e Tragédia" busca provocar deliberadamente o choro do espectador. Repito o que escrevi a respeito de "Boate Kiss - A Tragédia de Santa Maria", do Globoplay: é um choro inevitável diante do tema que trata e não me parece ser uma apropriação da dor alheia para fins de entretenimento e lucro dos produtores. É triste mesmo.

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