Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Anhangabaú, um espaço em busca de gente e de sentido

Aberto em 6 de dezembro, novo espaço de SP ainda precisa ser inaugurado de verdade

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Evitei falar do novo Anhangabaú nos últimos meses antes da inauguração oficial. Afinal, espaços públicos só se materializam com a presença das pessoas. Pois bem, a obra foi oficialmente inaugurada, mas as visitas que fiz não foram muito auspiciosas. O espaço está lá, monumental, uma verdadeira esplanada cívica, como definiu o arquiteto Mario Biselli, responsável pelo projeto final. O problema é que faltou, justamente, inaugurar.

Os quiosques e os banheiros estão fechados. Os jatos d'água estão desligados. Bancos estão pichados. E já há buracos e grades quebradas. São coisas que se arrumam, mas, convenhamos, para uma espera de mais de dois anos e gastos de R$ 105,6 milhões, era de se esperar mais cuidado.

Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, é reaberto após meses em reforma - Zanone Fraissat - 6.dez.2021/Folhapress

Apesar disso, acho que a esplanada vai conseguir atrair pessoas em busca de lazer nos finais de semana. Afinal, é um espaço amplo e aberto, com acesso fácil de metrô, que comporta multidões. Pelo teste noturno que assisti, as quase mil fontes luminosas prometem ser uma atração bonita, com cores e desenhos que redistribuem e quebram a monumentalidade. Para os grandes eventos, como a Virada Cultural ou shows, está ótimo. Como espaço público, é preciso ir além.

As pessoas vão à Paulista no domingo porque sabem que vão encontrar lá uma rua viva: livrarias, cinemas, cafés, a maior concentração de museus da cidade, e gente. Ora, no centro, existem vários lugares que poderiam ser conectados se as pessoas não tivessem medo de andar quando as lojas fecham e tudo fica vazio e escuro. E isso depende de ter mais moradores e mais bons espaços. Mas enquanto aguardamos o PIU central, onde está o plano de caminhabilidade? O que está sendo feito para ligar Galeria do Rock, Teatro Municipal, São João, o Mirante do Vale, o SESC 24 de Maio e o Martinelli com segurança? Aliás, por que o mirante do Martinelli ainda não foi reaberto? E cadê a prometida reforma (ou a manutenção) do calçadão?

Se para lazer, o novo Anhangabaú precisa atrair gente de fora, para o uso cotidiano, o desafio é fazer as pessoas que já estão lá mudarem seus hábitos. Afinal, a travessia do vale sempre foi feita por cima dos viadutos e a transposição de um lado a outro não é tão natural –e nos dias de calor promete ser escaldante. Para funcionar como ligação entre o Centro Velho e o Centro Novo, o novo Vale vai ter que resolver um problema estrutural: a falta de conexão com as duas colinas.

Do lado do Municipal, a descida é mais suave, pela São João, Praça das Artes ou praça Ramos de Azevedo. Do outro lado, é preciso descer pelas escadarias (o que já impede cadeirantes) ou pela Galeria Prestes Maia, que deve ser reformada. Pela praça Antônio Prado, a visão da São João, que já foi nosso cartão postal, está desimpedida. Em ambos os lados, porém, são poucos os prédios com acesso direto para a praça. No lado da Líbero Badaró, há muitas garagens e poucas fachadas. O tradicionalíssimo restaurante Guanabara, surpreendentemente, sobreviveu à pandemia.

Uma das maiores críticas foi quanto ao valor total do projeto, R$ 106 milhões. De fato, estamos num momento em que cada real conta para reduzir a desigualdade na cidade. Entretanto, diante do tamanho do nosso orçamento e da importância do centro, talvez não seja tão despropositado. Afinal, é o centro que guarda parte da nossa identidade e é para lá que continuam convergindo milhões de pessoas por dia.

Talvez pudéssemos ter resolvido a maior parte dos problemas sem uma reforma tão grande, mas a questão é que, tendo feito o investimento, o resultado deveria ser extraordinário. O crítico de arquitetura Paul Goldberger diz que os espaços incríveis nos fazem sentir algo na boca do estômago. Infelizmente, não é o caso, mas não quer dizer que nós não possamos ver o espaço crescer junto com as árvores, vitalidade das fachadas e através do uso.

Uma última palavra, sobre a concessão. Ao conceder o espaço por dez anos, a prefeitura abre mão da gestão direta de um local icônico. Se no caso da venda de comidas isso faz sentido, talvez não faça na gestão do espaço como um todo. Para gerar os R$ 55 milhões de pagamentos previstos, a concessionária vai ter que inventar eventos, patrocínios e isso pode gerar conflito de interesses. Melhor teria sido manter a gestão por parte da prefeitura e concessionar apenas algumas ações e não a gestão de todo o espaço. Agora, cabe à prefeitura manter uma governança que garanta que o negócio funcione em torno das necessidades da população.

O Anhangabaú conta um pouco da história de São Paulo. Já tivemos plantações de chá, já escondemos o rio, já andamos num jardim europeu, já vimos a dominância dos automóveis. Agora, estamos no momento de usar a infraestrutura do centro para trazer moradores, trabalhadores e turistas de volta. Diante do que está lá, vale torcer e cobrar para que as gestões futuras e as pessoas cuidem do vale e do centro com mais carinho.

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