Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mauro Calliari

Como construir uma vida que amamos em uma São Paulo tão difícil de amar?

Não há grande cidade sem grandes ambições, mas não há futuro sem pensar na vida cotidiana

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo é tudo aquilo que a gente vê: prédios, casas, favelas, ruas, densidade, atividades comerciais, monumentos, praças, fios, fumaça e multidões.

Mas o futuro de São Paulo parece ter muito mais a ver com aquilo que a gente não vê: as relações entre as pessoas.

Querendo ou não, é aqui que moramos, é aqui que estudamos, trabalhamos, vamos ao médico, nos apaixonamos, criamos nossos filhos. É através dessas trocas todas que se desenvolve nossa própria identidade, que honramos um passado e construímos um futuro.

Vista aérea do centro de São Paulo - Eduardo Knapp - 29.jun.2022/Folhapress

A questão que surge é se a cidade está ajudando ou atrapalhando as relações a se desenvolverem. Desconfio que a cidade esteja mais atrapalhando que ajudando.

O indício mais contundente dessa derrota está no fato de que mais da metade dos paulistanos deixariam a cidade, se pudessem.

Como uma cidade pode conviver com isso? Como pensar num futuro se metade já abriu mão de estar por aqui? Afinal, é a energia das pessoas que nos trouxe até aqui. De gente que construiu casas, o Masp, o Pacaembu, que lançou empresas, lojinhas, teatros. Do pessoal que faz batalhas de poesia no centro, do homem que plantou mais de 30 mil árvores sozinho na Penha, e dos empreendedores de um sistema de logística para Paraisópolis.

Falar do futuro de São Paulo é abrir uma conversa sobre suas contradições.

Os grandes tradutores da cidade sempre abraçaram as contradições: Adoniran Barbosa duvidava do "pogréssio". Carolina Maria de Jesus enxergava o contraste entre a cidade – ‘a sala de estar’ e a favela – o ‘quarto de despejo’, a favela. Mano Brown opõe a energia das pessoas e a falta de perspectiva da periferia. Criolo nos desafia a pensar nos bares cheios de almas vazias. E é impressionante como a música Sampa, de Caetano Veloso, continua atual. O avesso do avesso do avesso é a constatação de que a Ipiranga e a São João são mais um estado de espírito do que a feia esquina que continua lá apesar da reforma sem graça.

Na gestão pública, as contradições ficam evidentes. A mesma Prefeitura que faz projetos criativos de urbanização de favelas faz reformas pouco inspiradas no centro. De um lado, pensa em boas ideias de moradias para as pessoas sem teto, de outro, mostra um descaso evidente com os espaços públicos e o transporte coletivo.

A grande resposta para a contradição está em abraçar a complexidade e combater a desigualdade. Não há cidade sem grandes ambições, mas não há futuro sem pensar na vida cotidiana. Nós temos um Plano Diretor, que deveria ajudar a construir esse futuro, mas ele abarca tudo sem escolher prioridades. Na prática, o crescimento que temos visto se dá às custas de urbanidade. Em cima, prédios altíssimos. Embaixo, calçadas sem graça, inseguras ou inexistentes.

Lidar com a complexidade exige entender a diferença dessas escalas para chegar a um denominador possível. Viver individualmente a vida cotidiana e ao mesmo tempo acreditar num projeto coletivo. Está faltando esse projeto.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.