Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Elites e a corrupção legalizada

Não devemos esquecer de quem define o que é certo e errado

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Corrupção é um conceito amplo, e costuma ser pensado como o conjunto de práticas voltadas para usar dinheiro público com o propósito de gerar ganhos privados para indivíduos e, eventualmente, para suas famílias.

Também é um termo comumente empregado para definir o uso ilegítimo do poder público com o intuito de autofavorecimento. Porém, olhar somente para o que é feito dentro dos limites da lei é uma forma um pouco limitada de encarar a realidade.

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Charge publicada na página A2 do jornal Folha de S.Paulo em 18 de outubro de 2020 - Jean Galvão/Folhapress

Aquilo que é certo ou errado costuma ser uma função das vontades dos setores mais influentes da sociedade que, em última instância, tendem a definir as leis e moldar o funcionamento do Estado de forma a atender seus próprios interesses.

Uma série de convenções que foram historicamente institucionalizadas pelos grupos mais proeminentes conduz a um amplo conjunto de vantagens, geralmente indevidas, porém dentro da lei, somente para uma pequena parcela da população.

O aparato institucional, que deveria ser um meio de orquestrar o equilíbrio social, gerar oportunidades equânimes de desenvolvimento e reger o progresso, também contribui para a manutenção da apropriação do poder público pelas elites.

Quando consideramos a corrupção legalizada, o cenário brasileiro fica ainda mais emblemático. Nosso sistema político é corrompido. A desigualdade reforça ao longo do tempo a concentração de influência e leva ao aprofundamento da subversão da justiça social. Não faltam aqui exemplos de grupos que vivem em uma espécie de simbiose com o Estado.

Não é por acaso que a oferta de muitos bens públicos de melhor qualidade está localizada em regiões mais ricas dos espaços urbanos. Por sua vez, é possível criar vários outros meios de favorecer certos grupos no uso do dinheiro público.

As universidades públicas, por exemplo, foram durante grande parte de nossa história um espaço dominado pelas elites. Apesar dos avanços recentes na representatividade discente, o mesmo não se pode dizer em relação a seu corpo docente.

Além disso, bancamos altos salários de alguns cargos do funcionalismo público em que o retorno para sociedade não reflete seu custo. Em relação aos impostos, há considerável dificuldade de torná-los mais progressivos e, assim, onerar em maior proporção aqueles que possuem alta renda e que costumam ser os mesmos que são contemplados com subsídios e créditos baratos do governo em projetos com inexpressiva capacidade de gerar valor para sociedade.

A baixa taxação das heranças é somente mais um exemplo da hipocrisia de uma elite que se diz merecedora do que possui, apesar de que parte considerável de seu patrimônio representar apenas o legado do trabalho de terceiros e, não raramente, obtida por meio de algum conluio com o poder público.

Existe uma inaptidão moral por parte de muitos cidadãos em se comprometer com o bem comum e uma alta predisposição em usar o Estado para obter significativas vantagens privadas. A incapacidade de ir além das práticas corriqueiras voltadas para aumentar a gratificação pessoal parece ser uma das marcas de nossas elites.

Apesar disso, tivemos alguns avanços. Os filhos dos porteiros saíram das universidades e passaram a disputar espaço com os filhos da elite. Os mais desfavorecidos tiveram ganho no poder de compra. As empregadas domésticas começaram a pegar o mesmo avião da patroa.

Curiosamente, no mesmo período, as elites resolveram sair para as ruas para protestar contra a corrupção sistêmica. Escolheram um alvo e contribuíram para eleger um presidente que, além de corrupto, é um dos mais estúpidos da nossa história.

No final, fica a questão: a suposta indignação com a corrupção foi verdadeira ou somente um pretexto para recuperar alguns privilégios?

O texto é uma homenagem à música "Nos barracos da cidade", composta por Gilberto Gil e Liminha, interpretada por Gilberto Gil.

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