Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg

A velhofobia está cada vez mais explícita, perversa e cruel

Precisamos aprender a arte de escutar bonito em tempos de ódio, intolerância e ignorância

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Achei muito estranho quando uma amiga me perguntou: "Por que você está tão triste? O que está acontecendo? Por que você não está fazendo terapia?"

Tive vontade de gritar: "Como assim, o que está acontecendo? Em que mundo (ou em que bolha) você vive?"

Foi ainda pior quando ela perguntou: "Por que você não faz uma plástica? Parece que você envelheceu vinte anos na pandemia. Você está muito velha e acabada!"

Mãos de pessoa idosa
Danie Franco/Unsplash

Meu primeiro impulso foi responder que tristeza e velhice não são doenças e que, por isso mesmo, não têm cura. Já fiz análise ininterruptamente dos 21 aos 45 anos e não consegui me curar da tristeza, nem da ansiedade excessiva ou dos meus medos mais profundos. Não quero continuar ruminando os traumas da minha infância infeliz e violenta, especialmente agora.

No entanto, percebi que estou experimentando um intenso processo terapêutico.

Já contei aqui que, desde 15 de março de 2020, dedico muitas horas do meu dia só para escutar os nonagenários. Adoro quando eles me chamam de "escutadora dos velhinhos".

"Escutar bonito" meus amigos —especialmente o Guedes, de 98 anos, e a Thaís, de 96—, é a minha melhor terapia. Eles me ajudam a me curar do pânico e do desespero com seus conselhos generosos e amorosos, com as poesias e as músicas que cantam para mim, e, especialmente, com suas risadas gostosas. Eles me ensinam a ter mais coragem, paciência e equilíbrio para lidar com pessoas tóxicas e egoístas e para deletar os parasitas e vampiros emocionais da minha vida. Eles me mostram os caminhos para me adaptar a uma cruel realidade, para continuar focada nos meus propósitos de vida, para ter alegria e gratidão por viver um dia de cada vez com tudo o que faz bem. Eles me provam, todos os dias, que não estou sozinha na minha dor e sofrimento.

Se "escutar bonito" é terapêutico, escrever é ainda mais. Desde os meus 16 anos, passo muitas horas do meu dia só escrevendo. Tornei-me antropóloga para pesquisar a cultura brasileira, pois preciso da escuta e da observação da realidade para conseguir escrever. Não sei escrever ficção.

Escrevo e reescrevo inúmeras vezes minhas colunas para a Folha, com o desejo de dizer algo que seja relevante e —quem sabe?— também bonito. Passo dias buscando uma questão que aponte algum caminho de libertação dos nossos medos, sofrimentos e prisões. Procuro mostrar que grande parte dos nossos sofrimentos não é um fracasso pessoal, mas resultado de uma cultura que nos aprisiona em determinados modelos de sucesso, beleza e felicidade.

Tive um momento de Eureka quando percebi que meu processo terapêutico é baseado em dois verbos que começam com a letra "e": escutar e escrever. Mas tem um terceiro "e" importante: existir.

"Escutar bonito" está me ajudando a cuidar dos meus amigos e amores; escrever está me desafiando a ter coragem de ser o máximo e o melhor de mim mesma. Escrever não é o que eu faço; escrever é o que eu sou.

Foi uma pequena epifania: estou fazendo a autoterapia do "És"!

E o que é "És", além da segunda pessoa do singular do presente do indicativo do verbo ser? O mesmo que existes, vives, fazes, relacionas, significas, representas.

Lembrei-me então do célebre pensamento de Nietzsche: "Torna-te quem tu és!"

Quando ainda estava impactada com a descoberta da autoterapia do "És", fiquei muito emocionada quando o querido Jairo Marques fez uma sensível entrevista comigo: "A velhofobia escancarou e saiu do armário" e ainda escreveu uma linda coluna no "Assim como você" lançando a campanha dos meus sonhos "Escute o seu velho".

Eu tenho um sonho que um dia todos os brasileiros irão "escutar bonito" os mais velhos e que iremos viver em uma nação em que as pessoas não serão julgadas pelas rugas da sua pele e sim pela beleza da sua alma. Livres, somos livres enfim!

Querido Jairo, o que podemos fazer para a nossa campanha "Escute bonito os mais velhos" viralizar?

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