Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Meu partido hoje é o coração partido', diz Simone, do hit 'Então É Natal'

Aos 70 anos, a cantora diz ter feito as pazes com a tecnologia, afirma ser de uma geração vitoriosa e revela que se prepara para escrever uma autobiografia

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Retrato da cantora Simone Divulgação

Quando começou a fazer lives ao domingos, em abril deste ano, Simone Bittencourt pensou que a aventura não superaria a marca de três apresentações. Um pequeno erro de cálculo, talvez, para quem chega ao final de novembro de 2020 em vias do 33º concerto virtual.

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Conhecida como Cigarra por causa de canção e disco homônimos, de 1978, ela confessa carregar uma voz cansada após oito meses na empreitada. E tanto canta não por ser verão, como na fábula de Esopo, mas porque é tempo de pandemia. “Enquanto tiver isso, é isso o que será”, afirma.

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Se há quem faça piadas sobre temer “uma segunda onda de lives” em meio a um provável repique da Covid-19, a cantora desconhece o intervalo entre o primeiro e o segundo momento. “Estou cansada há oito meses porque não dá tempo de descansar.” A única exceção, conta, foi no dia 15 de novembro, por causa das eleições municipais. “Totalmente compreensível e cívico”, explica.

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“Fazer um show, que era o que eu estava acostumada, durante um ano significa cantar um repertório, com uma mudança ou outra. Mas o que eu me propus a fazer é toda semana ter coisas novas. Isso demanda tempo.” As lives exigiram, por exemplo, um levantamento de quase cinco décadas de discografia produzida por ela.

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“É um trabalho que eu só tenho folga às segundas. Claro que estou bastante cansada, mas, ao mesmo tempo, tenho um prazer enorme de fazer essas lives e estar seguindo à risca os bailes da vida.”

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Simone conversa com a coluna por videoconferência da sacada de seu apartamento, com vista para a praia de São Conrado, no Rio. Recém-inserida no mundo digital após fazer as pazes com a tecnologia, ela empenha algum esforço para driblar mensagens de falta de bateria que aparecem na tela de seu celular. “Ele não está me dando a menor bola, ele é mais rápido do que eu”, diz, como quem parece se divertir com o próprio embaraço.

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“Eu tinha um celular bem antigo. Celular, pra mim, é pra falar, não tem essa coisa de passar email, passar WhatsApp”, conta ela, que foi convencida a adquirir um smartphone.

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Mas não há o que contorne o estranhamento de não ter um público de carne e osso a sua frente. “Tento colocar na minha cabeça que estou falando para um monte de gente que está me vendo. Eu não fico apegada a uma maquininha.”

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Retrato da cantora Simone Bittencourt - Nana Moraes/Divulgação

Do alto de seus 47 anos de carreira, ela afirma que o nervosismo para se apresentar é o mesmo do início. “É uma coisa que me atrapalha muito. Me dá um apagão das letras.”

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“A primeira vez que eu me apresentei num show, no aniversário de carreira de um cantor brasileiro chamado Altemar Dutra, eu fiz xixi. A sorte é que eu estava de saia comprida”, relembra. “É coração e cabeça. Isso sempre foi, qualquer situação, seja cantando para três ou 20 pessoas. A música mexe comigo e continua mexendo como se nenhum minuto tivesse passado da minha primeira vez.”

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Na voz de Simone, ficaram conhecidos sucessos e versões como “Começar de Novo”, “Então É Natal”, “O Que Será (A Flor da Pele)” e “Iolanda”, além de trilhas de novelas, como a canção de abertura de “Malu Mulher”, exibida pela TV Globo em 1979.

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A música “Cigarra”, que virou também seu apelido, foi um presente de Milton Nascimento, a pedido dela. “A primeira vez que eu vi o Milton ao vivo foi aí em São Paulo. Eu lembro que ele abria a camisa dele, ficava com o peito nu. Vinha do céu aquele vozeirão.”

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Os dois viriam a ser apresentados anos depois, quando Simone já era contratada da gravadora Odeon. “O meu horário era o da tarde, e Bituca [apelido de Milton] tinha o horário da noite. Eu estava terminando de cantar uma música e ele chegou. Eu o vi através do aquário. Ali, eu já me tremi inteira”, afirma.

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“Minha geração foi de uma braveza maravilhosa. Eu levei muita porrada de cassetete, não tinha nenhum medo. A gente venceu a ditadura! A geração da gente é vitoriosa porque mostrou a cara, levou porrada”, diz. “E ainda leva até hoje. A pessoa agredir a Alcione, chamar o Martinho da Vila de vagabundo, isso não é uma agressão?”

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“Hoje, todos os setentões são pessoas vitoriosas. A geração da gente viveu esse mundo louco do muro de Berlim, do homem à Lua. É uma geração riquíssima de vivências e de informações, de coisas lindas e de coisas terríveis”, segue.

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Simone se orgulha de ter sentado à mesa com nomes como o produtor Quincy Jones, o jornalista Gay Talese e o figurão da pop art Andy Warhol. Sobre este último, ela revela um arrependimento: “Nós jantamos lá em Nova York uma vez e ele estava fazendo a capa do disco do [cantor] Miguel Bosé. E foi uma engolida de mosca eu não ter feito a capa do meu disco com ele.”

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Embora exalte seus contemporâneos, a cantora não faz pouco caso da nova leva de artistas brasileiros. “Sou otimista com relação aos jovens, gente que bota a cara, que não tem medo. Errou? Não tem importância. Vai, uma hora acerta. Mas pelo menos você está tentando acertar, tentando fazer uma coisa legal para o mundo.”

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“Cada geração tem a sua maneira de cantar e de escrever”, diz. “Teve uma época em que as coisas que nós queríamos falar eram por entrelinhas.”

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“Era tudo muito genial. O Caetano escrevia um poema e, na hora de cantar, fazia diferente, senão a censura não deixava passar”, afirma, e começa a cantarolar para provar seu ponto: “Você traz a Coca-Cola, eu tomo / Você bota a mesa, eu como / Eu como, eu como, eu como, eu como /
Você”.

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Mas o entusiasmo de Simone diminui quando o tema é a política institucional. “Eu não tenho mais credo”, crava. “Um país que não educa, que não acolhe e que não cuida dos seus filhos é muito questionável. Não interessa ensinar, não interessa preservar. Eu não sei qual é o nível de loucura desses caras. Garanto também que você não sabe.”

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“Como você pode acreditar num país que gasta R$ 2 bilhões para um fundo eleitoral e não tem dinheiro para educação, saúde e cultura? Qual é o parâmetro que você chega nisso? Eles dão o pão e tiram o pão. Eles compram o respirador e roubam o respirador. Eles compram a merenda escolar e tiram a merenda da boca de uma criança.”

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Ela não hesita em dizer que neste domingo (29) votará em Eduardo Paes, candidato do Democratas para a Prefeitura do Rio. “Vou votar no Eduardo Paes, mas em alto e bom som!”, diz, entusiasmada. “Eu escolhi o Rio pra morar acho que pelo mar, pela praia. Eu gosto do cheiro do mar. Mas aqui, o Rio de Janeiro, que dedo podre.”

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Em 2016, Simone bateu panela e participou de atos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que acabou destituída em agosto daquele ano.

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“Não posso ser conivente com o rombo da Petrobras, que perdeu bilhões de dólares”, diz. “Meu partido hoje é o coração partido, e eu nunca escondi. Acho que o Brasil foi muito apunhalado, sofreu muito, foi muito crédulo com o PT, achou que... Sei lá o que que achou. Mas eu não sou PT. Eu não sou PT, não sou Bolsonaro, eu não sou nada disso.”

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Aos 70 anos de idade, Simone integra o grupo de risco da Covid-19 e diz temer um possível contágio, apesar do seu histórico de atleta. “Não quero moscar. Eu quero ficar por aqui ainda.”

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Antes da música cair em seu colo, como gosta dizer, ela foi professora de educação física e dividiu apartamento e as quadras de basquete com nomes como Hortência, Norminha, Delcy, Magic Paula, Marlene e Janeth. “Sou de uma época em que o basquete deu visibilidade, depois do campeonato mundial em São Paulo, em 1971, para meninas que alçaram voos fantásticos.”

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Para o futuro próximo, Cigarra diz ter em mente a realização de um livro e de um documentário autobiográficos. “Quem vai falar da minha vida serei eu”, se apressa em dizer.

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