Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Sou uma véia danada que teima em dar frutos, diz Angela Ro Ro

Cantora diz estar em dificuldade financeira, lembra de espancamemtos por homofobia e diz que envelhecer é uma dádiva

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Angela Ro Ro precisa de dinheiro —e aceita Pix, DOC ou TED. “Não é a primeira vez que passo o chapéu pedindo ajuda financeira. Não tenho o menor pudor”, diz a cantora de 71 anos, que recentemente postou nas redes sociais seus dados bancários para quem puder ajudá-la. “As pessoas que quiserem botam R$ 5, R$ 10”, explica ela, que já tinha feito isso em 2020.

O motivo do perrengue continua o mesmo: a falta de shows em meio à epidemia de Covid-19. “Antes [do coronavírus] eu trabalhava três vezes por mês. Depois, trabalhei meia dúzia de ocasiões em um ano e meio. É enlouquecedor. As contas continuam!”, afirma.

“Mas não quero viver de doações como uma monja budista. Quero é trabalhar”, segue ela. O pedido de ajuda gerou hostilidade. “Teve muita gente maledicente. Falavam: ‘Vai vender bala no trem, véia’. Quer dar doação? Dá. Não quer? Não enche o meu saco!”

Angela chegou a fazer lives nesse período e ainda se recusa a se apresentar presencialmente, mesmo já imunizada em duas doses contra a Covid-19.

“Me convidam às vezes para fazer festa clandestina. Mesmo vacinada, não vou. Não vou contribuir para pau no cu”, diz ela, criticando esses eventos. “Minha loucura é o delírio musical, a arte, o pensamento livre. Não infringir leis de saúde.”

A cantora Angela Ro Ro
A cantora Angela Ro Ro - Bob Wolfenson

A cantora está reclusa desde o ano passado em sua casa em Saquarema (RJ). “Vim passar o Carnaval [aqui], aí veio a quarentena e fiquei”, relata. “Não pretendo voltar para o Rio tão cedo. Aqui fico tranquila, é econômico, tem meu pianinho, ar puro maravilhoso de respirar, jardim com árvore”, diz ela. Foi de lá que a artista conversou com a coluna, por telefone.

Outra postagem recente da cantora mobilizou redes sociais e sites de notícia. Em junho, mês do orgulho LGBT, ela publicou uma imagem com os dizeres “sem homofobia”, “já cansei de ser vítima solitária” e “não somos mártires!”. A cantora é lésbica “desde adolescente” e conta que seus pais (um engenheiro civil e uma enfermeira e dona de casa) sempre a “amaram fosse qual fosse a opção sexual”.

“Mami era muito engraçada. A primeira namorada que arrumei no colégio, levei pra casa e, quando minha mãe entrou no meu quarto, a gente estava dando um beijo na boca”, lembra. “Aí ela esculachou: ‘Minha filha, que você gosta de menina, tudo bem. Agora, vê se arranja uma moça bonitinha!’”, continua a cantora, que gargalha com a memória. “A moça não era muito bonita mesmo [risos].”

Mas o respeito à sua homossexualidade não foi o mesmo fora de sua casa.

“Eu fui espancada por homofobia cinco vezes. Entre 31 anos e 35 foram quatro. Com 45 anos, fui espancada, espero, pela última vez”, conta a artista, que por causa das agressões ficou cega do olho direito, teve a coluna e o abdômen fraturados e perdeu 50% da audição. “Das cinco, quatro tiveram tentativa de estupro.”

Em um desses episódios, ela conta ter ficado onze dias internada após apanhar de três policiais civis que a abordaram na saída de um restaurante. Em outro, levou coronhadas de escopeta no baixo ventre. “Na hora que ele deu [o golpe], falei: ‘Ai, meu útero’. O sujeito falou: ‘Sapatão não tem útero’ Vou discutir? Aprenda: quando for espancado, não fale nada”, narra ela. “Abriu dez centímetros [de ferimento]. Anos depois, tive que abrir o capô pra consertar. Tenho uma tela aqui na barriga.”

Em um terceiro episódio, Angela foi agredida por policiais militares que a levaram ao Instituto Médico Legal.

“O cara estava me dando uma gravata [golpe de sufocamento]. Falei: ‘Tenho medo de vocês, não dos mortos’. Ele pegou duas tábuas de metal, grossas, daquela para por raio-x, e chapou nos meus dois ouvidos ao mesmo tempo, umas três ou quatro vezes, até o sangue grosso começar a escorrer e eu ficar zonza. Aí ele puxou os meus braços pra trás e enfiou o coturno no meio da minha coluna. Fez ‘trec’. Fiquei dormente por um tempo. Depois consegui rolar até um telefone que eles tinham tirado da tomada e chamar duas amigas minhas, uma advogada, que me tiraram de lá.”

Tudo isso, segundo ela, é “chato pra caramba”. “Mas levo na esportiva.”

“A indignação não diminui, não alivia. Mas eu falar sobre a minha parcial surdez é uma alegria, porque estou ouvindo você”, diz ao repórter. “A falta de 50% da audição complica na hora de cantar, mas não é lindo eu ter os outros 50% que ouvem? Também não estou observando o olho que não enxerga. Estou feliz por estar vendo com o outro”.

“Eu sou ‘sagiotária’”, brinca, referindo-se ao seu signo. “Sou irritantemente otimista.”

A cantora se aproximou da música aos seis anos de idade, quando sua mãe a presenteou com um acordeão. Depois, ganhou um piano de um amigo de seu pai, que tocou até os 15. Decidiu não seguir na vida de conservatório. “Fiquei uns anos mais ouvindo música do que tocando. Aí comecei a escrever uma coisinha ou outra, um blues, um rock”, lembra.

“O pessoal se juntava na praia pra fazer luau, tinha muita gente importante: Evandro Mesquita, da Blitz, o Dadi, do A Cor do Som. Mesclou tudo. Dali por diante fiquei mais no blues.” Dos 21 aos 24 anos, ela morou em Londres, onde trabalhou como faxineira e garçonete e, à noite, pedia para cantar em bares.

“[Na capital inglesa] Jards Macalé, Gilberto Gil e Caetano Veloso me convidaram para tocar uma gaitinha no LP ‘Transa’. Toquei na faixa ‘Nostalgia’, a última do disco. Eu tinha 22 anos. Eles me pagaram uma merreca boa lá! Olha que chique!”

“Eu era meio que mascote do Cinema Novo, sabe? [O diretor] Glabuer Rocha me adorava, aquela paixão platônica. Pessoas dessa magnitude e talento sempre me receberam com muito carinho”, lembra ela.

É inspirada em Glauber que ela mantém “pedacinhos de papel” espalhados pela casa para anotar ideias. “Ele escrevia em tudo quanto era canto. Também faço isso, mas sou um pouco preguiçosa”, diz.

Para o futuro, Angela tem planos de escrever um livro —talvez não biográfico. “Tenho muitos poemas, coisas que podem virar contos e crônicas, pequenos versos.”

Na música, ela diz já ter ideias em discussão: um projeto de regravação de suas canções ao lado de outros intérpretes e um convite para gravar um novo disco —o último álbum autoral dela foi “Selvagem”, de 2017.

Angela diz não gostar do apelido “Ro Ro”, que ganhou na juventude por conta de sua voz grave e rouca. “Mas agora está tarde demais, acabou ficando oficial.”

Ela também não curte ser chamada de senhora. “Pelo amor de Deus! Te mando para um lugar que você não vai saber voltar! [risos]”, brinca, gargalhando outra vez. E odeia ser perguntada sobre o suposto namoro com uma mulher 50 anos mais jovem noticiado em março. “Me recuso a perpetuar infâmias e coisas surreais”, diz, ameaçando desligar o telefone caso o tema seguisse.

“Estou sozinha faz muito tempo. Mas estou bem acompanhada por mim. A mulher da minha vida sou eu primeiro.”

Ela não teme o avançar do tempo. “Já envelheci! Sou velha há 11 anos, né?”, brinca, contando o tempo passado desde que chegou aos 60, marco da terceira idade. “E no meu caso, é uma dádiva.”

“Minha voz está forte, a minha memória também, o que é motivo de orgulho e amargura. Dou conta de fazer as minhas coisas. Viveria até os 200 anos”, segue a cantora, que diz só ter descoberto a libido na maturidade.

“Brochei a vida inteira. A libido, pra mim, ainda é uma novidade. Só na terceira idade é que fiquei libidinosa. Na minha juventude toda eu evitei muito o sexo. Engraçado, era uma época em que todo mundo dizia amor livre… Só se for pros outros, porque eu era trancadona”, afirma Angela, que não sabe o motivo de essa descoberta ter ocorrido agora. “Sei lá. Fiquei véia tarada [gargalhada].”

Angela se compara à “mangueira centenária” plantada no quintal de sua casa: “uma véia danada que teima em dar frutos. É como eu”.

“Apesar dos traumas físicos que me causaram, não estou dodói. Tô legal. Acho fantástico isso. E, dependen-do do ângulo e da luz, como Fernanda Montenegro diz, eu até saio muito bonita nas fotos”, diz.

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