Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'Não sou famosa, sou infame', diz Barbara Gancia em conversa com Marisa Orth

Atriz e jornalista falam sobre a estreia do monólogo 'Bárbara', detalham suas experiências e visões sobre diferentes tipos de compulsões e afirmam ser necessário um despertar social para que o Brasil tome novos rumos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A atriz Marisa Orth e a jornalista Barbara Gancia no palco do teatro Faap, em São Paulo Eduardo Knapp/Folhapress

Barbara Gancia comemorou seus 64 anos na última semana dançando e entoando a canção dos Beatles “When I’m Sixty Four” (quando eu tiver 64 anos). Como nos primeiros versos dos ingleses, a jornalista chegou à nova idade com alguns fios de cabelo a menos e enamorada por sua mulher, Marcela Bastos. Há, porém, um contraste categórico em relação à letra de John Lennon e Paul McCartney: sóbria há 15 anos, Barbara nem sequer pensou em celebrar o feito com uma garrafa de vinho.

Seu enlace de mais de três décadas com o alcoolismo e as perdas e danos causados por essa relação são contados no livro “A Saideira” (editora Planeta), que na próxima sexta (22) ganhará os palcos do teatro Faap, em São Paulo, com a peça “Bárbara” —com acento, como no adjetivo—, estrelada por Marisa Orth.

Barbara, 64, e Marisa, 57, receberam a coluna no teatro, onde a montagem do cenário e os ajustes técnicos ocorrem em ritmo acelerado. A atriz conta que o primeiro monólogo de sua carreira tem lhe arrancado algumas lágrimas. “Eu choro no meio [da peça] e quando saio. Preciso dar uma chorada. Porra, não é fácil”, diz sobre a carga emocional.

Marisa afirma que o espectador desavisado, que espera por um espetáculo de comédia dada a sua trajetória, talvez fique um pouco chocado, embora haja momentos divertidos.

A atriz Marisa Orth e a jornalista Barbara Gancia no palco do teatro Faap, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Histórias como a da vez em que Barbara enfiou uma caneta Bic no ouvido do então prefeito Mário Covas, do vexame dado em uma festa oferecida à estilista Vivienne Westwood e de um grave acidente automobilístico estão presentes na obra da jornalista e inspiraram o diretor Bruno Guida e a dramaturga Michelle Ferreira. Mas a versão teatral não segue o relato à risca e incorpora novos personagens, cronologias e até mesmo o primeiro porre de Marisa Orth.

“Posso dar um spoiler?”, interrompe Barbara. “É uma história com final feliz.”

Nesta conversa, atriz e jornalista falam sobre compulsões, comentam ataques virtuais e afirmam ser necessário um despertar social para que o país tome novos rumos.

NA PLATEIA

Barbara: Fui em pânico assistir à peça [durante ensaio]. Alcoolismo é um tema hiper complicado.

Marisa: A gente não cometeu tantos erros técnicos, né?

Barbara: Nenhum.

Marisa: Dois, dois pequenos. Não se usa a palavra “vício’’ e não se brinca de ver bicho na parede quando você está descrevendo o primeiro porre.

Barbara: Demora tipo uns 35 anos para ver bicho na parede.

MINHA PALAVRA

Marisa: A gente se vale do texto dela [Barbara] nos momentos mais emocionantes, é a palavra dela, mas tem uma reorganização no sentido de ser uma história que as pessoas possam se identificar mais. Nasceu uma peça de teatro do livro, e tem importância pra caramba o que a Michelle [Ferreira] escreveu. Ela criou cenas que não estão no livro, mas traduzem o sentimento que ele dá pra gente.

Barbara: E é engraçado porque tem um monte de personagens da minha vida que se fundem em um só. Ver como é que tudo isso surgiu é encantador. Agora, é óbvio que é a minha vida, né? Então é uma loucura. Ver a Marisa fazendo você num monólogo... É uma coisa que deu um selo de credibilidade para uma história que, para mim, é uma missão hoje em dia. Todo mundo no Brasil ou no mundo tem alguém ou está a alguns graus de separação de um alcoólatra ou de um dependente de alguma coisa. O fato de que a Marisa topou é de uma coragem… Eu não posso dizer para você o que significa isso para todos nós, juro por Deus.

A atriz Marisa Orth e a jornalista Barbara Gancia no palco do teatro Faap, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

SOFT DRINK

Marisa: Teve uma época em que eu fui dependente do cigarro. Sou, né.

Barbara: Você ainda fuma?

Marisa: Não, parei há 13 anos, mas tenho saudades. Conforme o estresse, volta a vontade. Fumei por 25 anos. Cigarro é uma coisa dificílima. E o álcool, que tinha pelo menos aquele tranco do gosto, que separava os homens dos meninos, sabe? Não tem mais esse tranco. Agora é soft drink. Tem Corote flavors [sabores]!

Barbara: E quem toma gin porque não engorda? Eles veem no Instagram a nutricionista, a influencer falando “toma gin”, e o pessoal faz jarra de dry martini. Eu, que sou uma maluca, nunca tomei gin na minha vida. Imagina tomar gin para começar!

COMPULSÕES

Barbara: Posso dar um spoiler? [A peça] É uma história de final feliz. As pessoas não param de beber porque acham que a vida vai ficar um saco, um tédio, que não vão mais se divertir. E não. Esse livro é uma dose de esperança, é para dizer para as pessoas: “Você pode parar de beber e ser feliz. Você pode parar de beber e ter uma vida interessante, produtiva, gozar, dar risada”.

Marisa: Não de cura porque não tem cura, mas de controle, de dominar, de consciência.

Barbara: E ter uma vida.

Marisa: De despertar. Acho que fala bastante de compulsão também no geral. Muitas vezes a pessoa para de beber e fica compulsivo por açúcar.

Barbara: A compulsão, é importantíssimo que ela [Marisa] tenha aumentado o leque [na peça], e nesse sentido o livro realmente serve apenas de inspiração para o monólogo dela. Hoje em dia nós temos uma compulsão muito grande por videogame, por celular, por rede social...

Marisa: ... Cirurgia plástica...

Barbara: Quando você fica muito voltado a isso, o teu corpo trabalha em modo econômico e não produz mais endorfina. Então as gerações do futuro vão ter muito mais depressão do que a gente tem.

A atriz Marisa Orth e a jornalista Barbara Gancia no palco do teatro Faap, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

DE LÁ PRA CÁ

Barbara: A gente tem muitos amigos em comum. Faz muitos anos que a gente se conhece, mas eu sempre quis conhecê-la mais. Eu sempre quis ser amigona dela. Mas assim, sabe, gente famosa a gente não ousa chegar perto [risos].

Marisa: Ela não é famosa, né?!

Barbara: Eu sou subcelebridade e sou notória. Não sou famosa, eu sou infame. Pode ter certeza que ela já viu muita baixaria minha em festa.

Marisa: Não vi, não. Tenho o registro de ela ser mais ríspida, mais áspera, mais aguda. Agora ela é 200 vezes mais doce. E mais bonita.

mulher jovem está sentada em uma escrivaninha. ela apoia o rosto em uma das mãos e sorri para a câmera
Barbara Gancia em retrato de 1993 - Frederic Jean/Folhapress

MENSAGEM PARA VOCÊ

Marisa: Um dia eu fiz uma postagem de um conteúdo mais político, e os ataques foram muito violentos. As pessoas não leem o que escrevem, não é possível. Não escutam a própria voz. Aí você vai ver quem escreveu aquilo: “Vovó de cinco netos”. E é assim: “Para de cagar pela boca, Magda [personagem interpretada por Marisa em “Sai de Baixo”]”. A senhora, por favor, manda um vídeo falando isso? Olha o grau de deselegância, minha amiga! Eu ainda fui pelega, escrevi: “Não é de cunho partidário, é um fato de humanidade” [risos]. O que a gente está vivendo é como se tivesse um ataque do Godzilla e tivesse um pessoal pró-Godzilla.

Barbara: Nossa, gente, o que eu já passei na minha vida por conta disso... Sabe o que é você ficar em casa no fim de semana e ter que bloquear duas mil pessoas te xingando por uma opinião política? Eles falam “seu dente é torto”, tudo no pessoal, porque é uma técnica. Ainda bem que eu tenho um certo conforto comigo e que sei rir de mim mesma.

PÁTRIA AMADA

Barbara: O Brasil me comove, sempre me comoveu. Meu pai dizia que o Brasil nunca vai tão bem quanto a gente imagina nem nunca vai tão mal. Mas ele morreu sem ver essa fase [risos]. Mas eu sempre tenho uma tendência a ser otimista, e o Brasil é extremamente pujante. O brasileiro é, por natureza, um cara que consegue, de alguma forma, sobreviver junto com a barata ao ataque nuclear. Sempre acho que a gente vai conseguir, que tudo vai dar certo no final. E se não deu, é porque não chegou no final. Mas a gente tem que começar a se aprumar um pouco, né?

Marisa: O lado bom do que a gente está vivendo agora é que parece uma aula sobre política. Parece até ficção. A gente ainda tem que despertar de 1964. É muito bonito entender que o voto de cada um vale a mesma coisa, isso é muito importante. A gente tem que se assenhorar do nosso país, ficar dono do que é nosso.

Barbara: Isso é aspas, viu? Marisa Orth fala: “A gente tem que se assenhorar do nosso país”.

ESTRAGO

Marisa: Eu tive a sorte enorme de começar a fazer uma terapia muito bem feita com 21 anos. Porque eu já estava correndo o risco de a cada fim de semana que passava... Será que eu chegava na segunda-feira? Era legal o punk, o “destroy”, era o fim do hippie, era uma angústia, e eu sou intensa. Você acha que a sua doença e a sua compulsão são o seu “temperinho”. Você acha que é charmoso dar aquela vomitada, você começa a associar a saúde à caretice.

Barbara: Exatamente.

Marisa: Eu achava que ser artista era uma coisa de loucura. Tudo mentira. O talento de qualquer ser humano existe quando ele está saudável. É uma coisa meio óbvia, mas quando a gente é muito jovem, não entende. A gente acha chique ser estragado.

A atriz Marisa Orth e a jornalista Barbara Gancia no palco do teatro Faap, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

LEGADO

Marisa: A partir dos 40 você já entende que chegou no topo. Taca-taca-ta —é a montanha-russa. Quantas pessoas de cem anos você conhece? Os 40 são a meia idade.

Barbara: Fiz 64 no domingo [10]. Lembro, de quando eu era menina, que o disco do Sgt. Pepper’s [dos Beatles] tinha aquela música “When I’m Sixty Four” e eu sempre falava: “Imagina, quando eu estiver com 64 vou estar banguela” [risos]. E não é assim.

Marisa e Barbara: “When I’m Sixty Four” [cantarolam].

Barbara: Acho que estou melhor esse ano do que quando bebia. Aí todo mundo fala: “Ai, mas o Roberto Marinho comprou a Globo com 64”. Porra, o Roberto Marinho! Não vi mais ninguém. Com essa idade, não dá para se reinventar completamente. Eu já tenho uma história. Boa ou ruim, é a minha história. Bebi e fiz um monte de merda, me recuperei, consegui reconstruir uma vida e, por uma sorte de Deus e como um mero acaso, consegui dar essa volta por cima. É uma verdadeira bênção. Esse é um legado.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.