No momento em que os donos da casa começam a tirar a roupa, em sôfregas preliminares, chegam os convidados. Um deles se oferece para preparar dry martinis e explica como deve ser feito, passo a passo. "É a melhor maneira de relaxar", pontua, como se estivesse no senado romano. "Li numa revista feminina." E especifica: "Deve ser sorvido, como se fosse champanhe". Nesse meio tempo, os anfitriões fogem pela janela e buscam um canto no jardim para transar.

M. Thevenot, o convidado pedante, chama um motorista e lhe oferece uma taça cônica (a única aceitável). O representante das classes trabalhadoras entorna o dry martini, num gole só. Quando sai, o veredito é triunfante: "Estão vendo? É assim que não se deve beber o dry martini".

A cena está em "O Discreto Charme da Burguesia", de 1972, vencedor do Oscar de filme estrangeiro. Como de hábito, Buñuel cria situações absurdas para comentar temas mais amplos. Manifesto engraçadíssimo contra a hipocrisia das elites, o filme é leve como um sonho e elegante como um martini.

A verdade é que, a despeito de sua antipatia, Thevenot tem razão: grande parte da graça de um coquetel está no ritual de preparação. "Um martini casual é como recitar Keats vendo futebol", diz Barbara Holland no seu inebriante "The Joy of Drinking".

Buñuel tomava quatro martinis todos os dias. Em geral sozinho, pensativamente, num bar sombrio, como conta em "Meu Último Suspiro", livro de memórias para lá de recomendável. Considerava o coquetel com escrúpulo nada surreal.

O gelo, para ele, precisava estar a 20 graus Celsius negativos. Já o vermute devia ir em gotas, quase nada. Churchill, que torcia o nariz para os martinis de Roosevelt, ia mais longe: punha gim no copo e só fazia um aceno à garrafa de vermute.

Fred Astaire dos coquetéis, o dry martini inspira devoção. H.L.Mencken declarou que ele tem a perfeição de um soneto. Numa de suas canções, Cole Porter afirma que "a fonte da juventude é a mistura de gim e vermute". O comediante George Burns foi mais terreno: "Sei que correr faz bem à saúde, mas tenho receio de derrubar meu dry martini".

Há quem prefira cinco doses de gim para uma de vermute, e há os que só toleram a proporção de quinze para um. Já aqueles que, como o ex-primeiro ministro inglês, defendem o martini absolutamente dry, ou seja, sem vermute, estão defendendo o gim puro. Oras, gim puro não é coquetel —é quase uma abstração. Pureza, aliás, é um conceito oposto ao do coquetel, em si uma mistura.

Outra discussão, que às vezes parece uma disputa teológica, é se o martini deve ser batido ou mexido. James Bond só tomava batido. Tem sua graça: a violência da coqueteleira antecedendo a delicadeza da bebida. Mas ainda prefiro mexido. E numa proporção mais generosa com o vermute francês: quatro para um. Na origem, por volta de 1870, as medidas eram iguais para os dois ingredientes.

Última recomendação, a cargo de Bernard DeVoto. No clássico "The Hour", ele escreve: "Não se pode guardar um beijo na geladeira. O mesmo se dá com o martini". E continua: "O encontro do gim e do vermute é uma glória repentina; é um dos casamentos mais felizes do mundo e um dos que têm vida mais curta".



​DRY MARTINI

Ingredientes

• 60 ml de gim
• 15 ml de vermute seco (o melhor é o Noilly Prat)
• 2 ou três azeitonas

Passo a passo
Mexa o gim e o vermute com gelo num mixing glass e coe para uma taça martini previamente gelada. Acrescente as azeitonas num palito.