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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Vamos voltar com sangue nos olhos', diz Eliane Giardini

Aos 69 anos, a atriz prepara uma peça com Marcos Caruso para estrear em Portugal, celebra a reprise de 'O Clone', relembra sua passagem pela Escola de Arte Dramática da USP ao lado do ator Paulo Betti, diz que a cultura vive censura dissimulada —mas acredita que tudo vai passar

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A atriz Eliane Giardini Sergio Zalis/Globo/Divulgação

Distante dos palcos e dos estúdios há quase dois anos, Eliane Giardini, 69, tem se dedicado a múltiplos papéis no seio da vida familiar —e não poderia estar mais exultante, ainda que a convivência tenha se intensificado por força dos tempos pandêmicos. Seja como a filha que cuida da mãe, a mãe que se dedica às filhas ou a avó que acalenta o neto recém-chegado, foi entre os seus que a atriz encontrou o vigor necessário para atravessar os últimos meses.

"Tirando toda a tragédia que é a pandemia, os 600 mil e tantos mortos, os amigos e os colegas que a gente perdeu, tirando tudo isso, dentro da minha família foi um período muito abençoado porque a gente pôde estar junto. Quando que eu poderia ficar na minha casa, do jeito que fico hoje, dando assistência às minhas filhas, ao meu neto e à minha mãe 24 horas por dia? Quando faço uma novela, a gente mal se vê. A vida familiar ficou muito rica, muito intensa", conta Eliane à coluna.

Após a crise da Covid-19 ser deflagrada, a atriz levou sua mãe, que morava em Sorocaba (SP), para viver com ela na capital fluminense. A cidade do interior paulista é a mesma em que Eliane nasceu e onde sua mãe passou toda a vida.

"Tem um momento em que a gente meio que passa a ser mãe da própria mãe. É prazeroso você conseguir dar um conforto afetivo, físico e financeiro para uma pessoa que te deu tanto também. É uma alegria poder dar isso em retorno. E é claro que também eu tenho a minha mãe. O colo da mãe está ali", afirma a atriz.

A atriz Eliane Giardini - Sergio Zalis/Globo/Divulgação

Neste mês de outubro, Eliane completou 69 anos. Ela diz chegar à nova idade "muito mais apaziguada" do que em outros momentos de sua trajetória. "Claro que tenho mil vontades, mil angústias, como todo mundo tem, mas é sempre mais fácil de sair delas."

"Eu voltaria para qualquer idade desde que eu tivesse a compreensão e a cabeça que eu tenho hoje [risos]. Acho que a maturidade vai trazendo realmente uma compreensão maior dos movimentos todos, colocando as coisas no lugar, mas acho também que faz parte de cada fase da vida você ter a força correspondente àquela época."

Eliane enveredou no mundo das artes cênicas ao lado do também ator Paulo Betti, com quem foi casada por mais de 20 anos e teve duas filhas, Juliana e Mariana. Os dois frequentaram juntos a Escola de Arte Dramática da USP, na capital paulista, nos anos 1970.

"Eu me achava muito revolucionária em Sorocaba por estar indo para São Paulo com o namorado fazer uma escola de teatro. Achava que estava quebrando padrões. Quando cheguei na Escola de Arte Dramática com o meu namoradinho, o Paulo, a gente era talvez o casal mais careta da sala. Era muito engraçado esse contraste. Parecíamos dois caipirinhas", relembra, aos risos.

"Foi muito bom ter ido junto com o Paulo porque a gente se apoiava. Era uma escola com uma gente muito moderna numa época muito louca [risos]."

A atriz Eliane Giardini - Sergio Zalis/Globo/Divulgação

Ela se recorda de uma de suas primeiras aulas na USP, ministrada pela professora Myriam Muniz. "Ela era louquíssima, uma grande atriz", afirma. "Numa primeira improvisação, ela me chamou no centro da sala e pediu para eu ir apontando com o dedo os buracos que eu tinha no meu corpo. Imagina! Foi um sofrimento porque eu tinha vergonha de tudo."

"Mas essas coisas fazem bem, a gente vai ultrapassando essas barreiras. Acho que a gente chega até onde a gente tem coragem de chegar. É isso a vida, vão tendo esses testes —e de muitos deles eu poderia ter corrido. De repente, atravessá-los te torna muito mais forte."

Eliane conta que, após se formar, ela e Paulo foram contratados pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) para criar uma escola de teatro. Passado um tempo, ele foi convidado a fazer uma novela.

Os atores Paulo Betti e Eliane Giardini, em 1996 - Janete Longo - 20.abr.1996/Folhapress

"O Paulo adquiriu um status, uma fama que era muito difícil de olhar para aquilo e não querer a mesma coisa. Isso criou um grande descompasso entre a gente, profissionalmente, porque aí ele era chamado para uma série de coisas. Eu poderia ter submergido, não fosse o [meu] trabalho de estudar filosofia e de fazer análise para entender como as histórias são diferentes para cada um."

"No final das contas, as coisas se ajeitam, mas depende de coragem. De persistência, de resiliência, de vocação, embora as coisas não saíssem da forma como eu gostaria na época."

Do alto de suas cinco décadas de carreira, ela diz se ver como uma representante de sua geração. "Acho que os personagens que eu faço existem hoje porque houve essa geração rompedora dos anos 1960, 1970. Senão hoje não teria personagens de 68 anos empreendedoras, com vida afetiva, com força. Isso a minha geração trouxe para a dramaturgia. As pessoas mais velhas também estão jogando um bolão."

Neste mês, a atriz voltou às telas da TV Globo com a reprise da novela "O Clone", de 2001, em que interpreta a personagem Nazira. "Foi uma das novelas que eu mais me diverti fazendo. Eu vinha de personagens muito densos, acreditava mais na minha força dramática do que qualquer outra coisa. E de repente a Nazira descortinou um caminho totalmente novo, com uma carga gigante de comédia."

"Perto de ‘O Clone’ estrear teve a questão das Torres Gêmeas [no atentado terrorista de 11 de setembro]. Foi uma loucura! A gente achou que talvez nem fosse pro ar [por causa do preconceito contra a comunidade muçulmana após o episódio]. Mas a novela prestou um grande serviço porque focava na família, em pessoas com as suas tradições. De repente, todos estavam amando coisas da cultura árabe, independentemente dessa questão."

Ela diz que fazer novelas atualmente guarda muitas diferenças em relação ao início do milênio. "Eu, geralmente, começava as novelas viajando. Era uma outra época, ia o elenco inteiro. Hoje as novelas ficaram mais enxutas, as cenas ficaram menores. Por isso é gostoso assistir reprise, eu adoro. [Antigamente] Você tinha que decorar cinco páginas para fazer uma cena. Hoje, isso não existe. As cenas têm meia página."

"Hoje as novelas são quase documentários, mais fixadas no cotidiano", continua. "A realidade está dando de dez a zero na ficção, então tem que correr atrás. Às vezes você assiste um Jornal Nacional e ele tem mais carga dramática e de acontecimentos do que uma novela."

A atriz Eliane Giardini - Sergio Zalis/Globo/Divulgação

Entre seus projetos para o próximo ano, Eliane tem uma novela de João Emanuel Carneiro, "Olho por Olho", e a peça "Intimidade Indecente", que estreará em Portugal ao lado de Marcos Caruso, com quem já ensaia. "Estou excitadíssima", diz ela sobre o início das leituras.

Ao falar sobre a política cultural em vigor no país, a atriz relembra o período em que exerceu sua profissão sob a ditadura militar —e diz que era difícil, mas pondera que o setor enfrenta hoje algo "atípico".

"[Na ditadura] Era muito claro o que podia e o que não podia. Era censura aqui, censura ali, completamente diferente. Hoje a gente vive uma coisa muito atípica, meio dissimulada, que faz que tem, mas não tem. ‘Não vai ter a estreia desse filme por causa disso’. Se a gente for discutir isso… A gente vai ficar doida. Não há mais nada a dizer sobre esse governo."

"Você não tem espetáculos quase sendo feitos, não existe uma política cultural, não existe incentivo de nenhuma parte, nem para o cinema nem para o teatro, para nada disso. Não existe incentivo para a ciência, não existe incentivo para a educação", emenda. "Esse é o momento que a gente está vivendo, mas ele vai passar."

"Vamos voltar com uma garra, com sangue nos olhos de vontade de fazer coisas", diz a atriz sobre suas expectativas. "Não é porque não tem incentivo no teatro que ele vai deixar de existir. A gente sempre vai achar uma forma de fazer."

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