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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Eleições 2022

'Bolsonaro é um porco fascista convicto', diz Roger Waters, em entrevista exclusiva

Ex-Pink Floyd convoca comunidade internacional a defender a democracia no Brasil, fala sobre guerra na Ucrânia e critica roqueiros que se tornam conservadores

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O músico Roger Waters durante sua passagem por São Paulo, em 2018 Adriano Vizoni - 19.out.2018/Folhapress

Roger Waters guarda em sua memória as horas que antecederam a ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Em caravana pelo país com a turnê "Us + Them", o músico britânico acumulava shows em cinco capitais brasileiras e uma sequência de vaias de apoiadores do candidato quando chegou a Curitiba naquele 27 de outubro de 2018. Um dia depois, Bolsonaro seria consagrado vencedor para comandar o Brasil por quatro anos.

O motivo da reação de parte de seu público eram os protestos encabeçados pelo artista contra o então candidato do PSL, feitos durante as apresentações. Na capital paranaense, não seria diferente. A intervenção daquele dia, contudo, traria uma novidade. "Fui ameaçado de prisão", relembra ele.

"Disseram que se eu fizesse alguma coisa política no meu show depois das dez da noite, me colocariam na prisão", afirma Waters, em entrevista à coluna. Sem nomear o seu mensageiro, o fundador do Pink Floyd se refere à norma da legislação eleitoral que restringe a realização de propaganda política a menos de 24 horas da votação.

O músico Roger Waters durante sua passagem por São Paulo, em 2018 - Adriano Vizoni - 19.out.2018/Folhapress

Logo após a execução do clássico "Welcome to the Machine", os telões do estádio Couto Pereira exibiram uma mensagem em meio a luzes vermelhas dispostas sobre o palco e o som incômodo de uma microfonia. "São 9:58. Nos disseram que não podemos falar sobre a eleição depois das dez da noite. É lei. Temos 30 segundos. Essa é nossa última chance de resistir ao fascismo antes de domingo. Ele, não!", dizia o texto. Como uma recapitulação do que havia ocorrido em outras cidades, o público se dividiu entre vaias e aplausos.

Desde então, Roger Waters se manteve um crítico do mandatário, a quem chama de neofascista. "De longe, vi a Covid no Brasil e a bagunça pavorosa que o governo fez disso. Tenho lido muito sobre as coisas que Bolsonaro diz. Ele é um porco fascista convicto, como sabemos."

Há duas semanas, o músico se uniu a personalidades como o filósofo Noam Chomsky, o ator Danny Glover e a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, em um manifesto que reivindicou a criação de "um poderoso movimento de solidariedade internacional" em defesa da democracia no Brasil. Mais de 400 signatários já se uniram a eles.

Articulado pelo Washington Brazil Office (WBO), think tank brasileiro e apartidário sediado nos Estados Unidos que vem se mobilizando em defesa das instituições, o texto foi lido publicamente na última quinta-feira (22), em evento realizado na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.

"Devemos nos unir em solidariedade a todos no Brasil, pois esperamos que a maioria das pessoas acredite na democracia, no Estado de Direito e nos direitos humanos", diz Roger Waters, que defende o voto em Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Queremos mostrar nosso desdém absoluto por neofascistas como Bolsonaro."

O ex-Pink Floyd conversou com a coluna por videoconferência desde a cidade de São Francisco, na Califórnia, em que se apresentou na sexta-feira (23) e de onde partiria com sua turnê para Los Angeles, também nos Estados Unidos. "Nesta manhã eu li todos os meus emails, porque acordei muito cedo, e li cerca de 20 páginas desse novo livro", afirma, exibindo a obra "A Retirada: Iraque, Líbia, Afeganistão e a Fragilidade do Poder dos EUA" (em tradução livre), assinada por Noam Chomsky e pelo historiador Vijay Prashad. "Falo mais sobre ele quando terminar de ler, o que provavelmente devo fazer ainda hoje."

Além de leitor voraz, Roger Waters tem em seu cartão de visitas a marca de crítico assíduo de conflitos que assolam o mundo. "Não moro mais na Europa, moro nos Estados Unidos. Mas estou de olho no que está acontecendo, e vejo a extrema direita operando com base no puro nacionalismo. Assim, eles dividem e conquistam. Eles nos dividem dizendo que somos diferentes de nossos irmãos e irmãs", afirma à coluna.

No último fim de semana, o músico de 79 anos experimentou o dissabor de ter shows cancelados na Polônia por causa de seu posicionamento sobre a guerra na Ucrânia. Em publicação nas redes sociais, Waters havia questionado uma afirmação da primeira-dama ucraniana, Olena Zelenska, de que a crise poderia ser encurtada se o país contasse com mais apoio.

"Se por ‘apoio à Ucrânia’ você quer dizer que o Ocidente continue fornecendo armas aos exércitos do governo de Kiev, temo que você esteja tragicamente enganada. Jogar combustível em um tiroteio, por meio de armamentos, nunca funcionou para encurtar uma guerra no passado, e não funcionará agora", escreveu Waters.

Ao fazer um apelo pela paz, o britânico ainda sugeriu que o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, não conteve a ação de nacionalistas extremistas —que, por sua vez, teriam ultrapassado supostos limites impostos pela Rússia e colocado o país "no caminho para essa guerra desastrosa".

"Esse inverno na Europa vai ser uma loucura por causa dessa guerra insana na Ucrânia", diz Waters à coluna. "Putin é o grande vilão do Ocidente, mas os russos tentaram alertar. ‘Por favor, essa é uma linha vermelha [que não deve ser cruzada]’. Assim como os chineses avisaram Taiwan. ‘Por favor, não deixe a rainha [Elizabeth 2ª] visitá-los’. Felizmente a rainha não pode mais visitar ninguém", afirma, em tom jocoso.

Autodeclarado abolicionista, Roger Waters se opõe à existência da monarquia no Reino Unido. "Eles possuem mais terras no mundo do que qualquer outra pessoa. É muito difícil respeitar", explica. "Eu nunca iria ao funeral da rainha porque não acredito na monarquia. Acho que eles são uma família terrível."

"Isso não quer dizer nada contra a rainha, pessoalmente. Se as pessoas querem honrá-la [em sua morte], cabe inteiramente a elas. Só é um pouco irritante que [por causa do funeral] eles cancelem o treino de futebol por duas semanas", diz, rindo.

O músico Roger Waters durante sua passagem por São Paulo, em 2018 - Adriano Vizoni - 19.out.2018/Folhapress

Embora nem sequer tenha considerado visitar a Inglaterra para se despedir da monarca, Waters rechaça a atitude do presidente Jair Bolsonaro (PL) de usar a ida ao evento fúnebre para falar aos seus eleitores. "Se você vai ao funeral de qualquer pessoa, você deveria ser respeitoso. Se você não tem algo de bom para dizer, você deveria ficar de boca fechada."

Ao falar sobre a existência de artistas e fãs de rock and roll que, ao envelhecer, passam a repudiar pensamentos da esquerda e se tornam conservadores —como aqueles que o vaiaram em 2018—, Roger Waters arrisca um palpite sobre seus pares. "Precisamos questionar quais são as motivações dessas pessoas para se tornarem ‘astros do rock’. Normalmente é ‘eu me sinto tão inseguro e pequeno, e acho que tenho um pau pequeno, então vou ficar em pé diante desses holofotes e dizer: Olhe para mim, olhe para mim’", afirma, rindo.

"Eu não acho que você deva esperar muito da maioria das pessoas do meu ramo. Eu tive sorte." Em seguida, o britânico atribui o mérito por ser quem é hoje ao seu pai, um combatente comunista morto na Segunda Guerra quando Waters ainda era uma criança, e à sua mãe.

"Quando eu tinha 13 anos e comecei a me preocupar com a morte, como quem vive uma puberdade precoce, minha mãe me disse algo assim: ‘Isso vai acontecer muito na sua vida, e aqui está o meu conselho. Quando você tiver uma pergunta difícil, estude-a. Leia tudo o que há para ler sobre, o máximo que puder. Comece de um lado, ouça outras opiniões. Realmente não tenha pressa. Depois que tiver feito isso, você fez o trabalho duro. A próxima parte é fácil’", relembra. "Sério, mãe? Qual é a próxima parte?", teria perguntado. "Você faz a coisa certa", ouviu em resposta.

"Se todos nós tivéssemos uma mãe que pudesse nos dizer isso, seria fundamental", diz. "E você tentar fazer a coisa certa não é votar em Bolsonaro. Não tem como você sequer pensar na porra da ideia de que apoiar um idiota como Bolsonaro pode ser uma coisa boa. É tão evidente que é um gosto terrível", emenda, voltando à realidade brasileira.

"Esperamos que as pessoas tenham aprendido uma lição e comecem a entender que a falsa promessa de ‘sou um homem forte, cuidarei de você’ enquanto ferra todos os outros, não vale nada. A palavra deste homem não vale nada, com exceção de que Bolsonaro parece ser honesto sobre o que fala. Ele apenas diz: ‘Eu não me importo com o que você pensa, eu quero ser um ditador e quero que o Exército esteja no controle de tudo’. Pelo menos ele é honesto sobre isso."

Durante a conversa, Waters exalta o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, e diz querer ver suas ideias semeadas na política brasileira. "Felizmente estamos lá", afirma ele, em referência a parlamentares que hoje defendem pautas que eram da carioca.

"Nós somos os meninos com a capacidade que as pessoas têm de amar umas às outras. E Bolsonaro e seus seguidores representam a capacidade de ser atraído para a escuridão desse mundo", diz. "Tudo o que sei é que estou feliz por ter assinado aquele manifesto. E desejo ao povo do Brasil muita sorte em suas eleições. Se houver mais alguma coisa que eu possa fazer para persuadir as pessoas para que elas, com amor em seus corações, vão às urnas no dia da eleição para eleger o projeto defendido por Marielle Franco, eu o farei."

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