Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Eu sou feminista, mas não possuída', diz Vera Fischer

Aos 70 anos, atriz que foi considerada símbolo sexual a vida inteira diz ver o envelhecimento como um processo libertador

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A atriz Vera Fischer no camarim do Teatro Raul Cortez, em São Paulo, antes da estreia da peca

A atriz Vera Fischer no camarim do Teatro Raul Cortez, em São Paulo, antes da estreia da peca "Quando Eu for Mãe Quero Amar Desse Jeito" Greg Salibian -2.set.2022/Folhapress

Vera Fischer está apaixonada. O escolhido é Yuki, um gatinho encontrado na lata do lixo que está com ela há um ano e três meses. "Eu amo esse gato."

Sobre namorar seres humanos, a atriz diz não estar no clima. "Mas não estou morta. Flerto muito", afirma. Além de Yuki, ela conta que o seu compromisso agora é com o trabalho: está em cartaz no Teatro Raul Cortez, em São Paulo, com a peça "Quando Eu for Mãe Quero Amar desse Jeito".

Vera Fischer posa para foto no teatro Clara Nunes, no shopping da Gávea, no Rio de Janeiro
Vera Fischer posa para foto no teatro Clara Nunes, no shopping da Gávea, no Rio de Janeiro - Lucas Seixas -4.mar.2022/Folhapress

E diz ter muitos outros projetos. Um deles é o filme "Um Natal Cheio de Graça", da Netflix, que estreia no fim do ano. Na história, ela interpreta a mãe de Sérgio Malheiros, o "galãzinho da produção". "Eu uso uma peruca curta, porque não queria ser eu, queria ser diferente. E aí eu levo um tombo logo no início do filme, e fico a trama toda com um esparadrapo no meio do rosto. Só de olhar já é engraçado", revela.

Tombo na vida real ela diz ter levado quando apresentou a peça atualmente em SP em um teatro pequeno, durante turnê da montagem por outras cidades do país. O vestido enrolou na cortina do palco, e Vera foi ao chão. O ator Mouhamed Harfouch, que faz o seu filho na produção, improvisou: "Mamãe, você caiu". Ela seguiu a deixa: "Sou velha, velho cai", relata, aos risos.

Miss Brasil em 1969 e considerada símbolo sexual a vida inteira, Vera diz ver o envelhecimento como um processo libertador. "Tenho alma de criança", explica. Afirma também não aplicar botox nem fazer preenchimento no rosto. "Não quero ficar lisinha, quero ficar do jeito que sou".

Apesar de um probleminha no quadril e outro nos joelhos, faz questão de mostrar à coluna que segue flexível e com vitalidade de sobra. "Fiz balé clássico na infância. Faço umas coisas. Vou fazer para você", diz. Na sequência, ela se senta no chão, na plateia do Teatro Raul Cortez, e abre as pernas como num espacate. "É muito fácil fazer essas coisas para mim", completa.

Durante os 40 minutos de entrevista, Vera Fischer fala rápido e emenda um assunto no outro. Se denomina feminista, mas sem ser panfletária. Relata que parou de usar drogas quando quis e que sofreu muitos assédios de diretores de TV e cinema, mas sempre conseguiu se "safar". "Nunca tive que dar para ninguém [para conseguir papéis]", diz.

Só se esquiva quando a pergunta é sobre política. "Não sou do tipo panfletário", repete.

Leia, a seguir, os principais trechos da conversa.

BOTOX

Vou fazer 71 anos daqui dois meses [Vera faz aniversário em 27 de novembro]. Nunca tive problema em envelhecer, porque eu tenho alma de criança. Tenho espírito infantil.

As pessoas falam assim: 'A Vera fez preenchimento no rosto, com certeza.' Se eu fizesse preenchimento, a minha cara ia ficar enorme, porque eu já tenho o rosto grande. Não vou fazer isso. E botox eu não gosto porque eu sou atriz. Quero ter as minhas expressões. Não quero ficar lisinha. Quero ficar do jeito que eu sou.

A única coisa que eu não gosto para mim —pode ser que um dia eu tope, mas agora não— é deixar o cabelo branco. Porque eu sou muito branca. A Fafá de Belém, que é bem morena de pele, pega muito sol e tem o cabelo branco. Aí eu acho lindo.

ENVELHECIMENTO

Tem um lado libertador [em envelhecer]. Eu tinha uma terapeuta que dizia: 'Vera, você tem que estar sempre linda, maquiada. Você não pode ir nem na padaria sem maquiagem.'

E eu seguia porque era a minha terapeuta. Depois da pandemia, meus empregados sumiram, mandei embora todo o mundo. Tenho uma secretária só que fica na casa dela. Eu faço tudo. Vou na padaria, no hortifruti, no supermercado. Prendo meu cabelo e coloco meus óculos de sol ou de grau, e vou sem maquiagem nenhuma.

A atriz Vera Fischer no camarim do Teatro Raul Cortez
A atriz Vera Fischer no camarim do Teatro Raul Cortez - Greg Salibian -2.set.2022/Folhapress

Vou do jeito que eu estiver. Isso é libertador. Eu viajo de avião, vou para os lugares, vou jantar, sem nada de maquiagem. Isso aprendi na pandemia: pra quê ter que ficar ostentando uma coisa para os outros? Eu tenho que ser feliz comigo mesma.

Claro que eu tenho consideração pelo público. Mas se tivesse que fazer um personagem sem maquiagem nenhuma, faria também. Quando eu dou uma entrevista, eu procuro botar um batonzinho, um "blushzinho", e só. Mas eu não sou aquela pessoa que usa cílio postiço. Não aguento.

SAÍDA DA GLOBO

Hoje eu sou muito mais livre também, e vou dizer o porquê: essa coisa de ser contratada desde os 26 anos até a pandemia na Globo... Eu era obrigada a fazer o que eles oferecessem. Agora, eu não sou mais.

Eu fui mandada embora em março 2020. Levei um susto. Cheguei em casa, chorei um pouquinho e falei: 'Quer saber? Vou tomar vinho'. Tomei meu vinho, me acalmei e pensei: não tem volta. Depois, eu comecei a ficar muito feliz.

Novela é uma coisa que não me atrai mais, não. Mas, se vier um bom personagem... Porque agora eu posso escolher. Eu não fico louca atrás, porque eu já perdi o contrato mesmo. É preciso se adaptar a uma nova realidade em todos os sentidos.

Não tem mais supérfluo. Eu estou tentando mudar de casa, porque eu moro sozinha numa cobertura com piscina. Tem que subir escada, molhar planta. Não quero mais isso. Eu quero um lugar lá no Leblon mesmo, mas menor, sem escada nem piscina. Eu não preciso mais disso.

FEMINISMO E NAMOROS

Eu sou feminista, mas não sou possuída. Sabe aquela coisa que tem que fazer discurso aqui e ali? Odeio esse tipo panfletário, qualquer que seja. Me considero feminista, mas feminina também [risos]. Sem esquecer a ternura.

Não estou namorando, mas não estou morta. Eu flerto muito. Pela internet não, ao vivo. Às vezes no avião, no restaurante, na rua.

Depois dos meus dois casamentos, todos os namorados foram eles na casa deles, e eu na minha. Mas agora eu não quero compromisso. Não teria nem tempo. E a gente tem que estar na "vibe" disso. Eu estou numa "vibe" de trabalho e de ser apaixonada pelo meu gato.

ETERNA CRIANÇA

Eu tenho uma coisa muito infantil. Às vezes, o adulto me aborrece. Eu gosto de ficar com as crianças e com gente que tem um espírito mais aberto, mais livre. Eu sempre fui livre. Nunca tive amarras com nada. Nunca casei [no papel]. Sou solteira.

E não penso nas elaborações que os adultos fazem com dinheiro e com as coisas que eles acham importante. Eu dou valor ao que eu dou valor. Gosto, por exemplo, de gente, mas gente de verdade.

As pessoas falam assim: 'Ah, você devia ter uma postura'. Gente, eu não sou grande dama, não sou deusa, não sou nada. Mas, se computar tudo, sou tudo isso também.

Pessoas do meio [artístico] têm um preconceito porque elas se acham mais [que os outros]. Eu não me acho mais [que ninguém]. Eu prefiro ser assim desse jeito natural com todo o mundo.

'BRUXONA'

[Na juventude] Eu não queria ser atriz, eu não queria ser nada. Eu só queria trabalhar e me sustentar. Eu pensava assim: se eu for miss, ganhar Blumenau, Santa Catarina, Brasil, meu pai vai me deixar sair de casa e acabou. Mentalizei isso. E sou meio bruxa nesse ponto, quando eu mentalizo, dá.

Eu não tenho essa veleidade. Quando eu tinha 20 anos, me chamaram para fazer o meu primeiro filme, que era o "A Super Fêmea". O diretor falou para mim: 'Mas tem que ficar nua'. E eu falei: 'Não tem problema'. Porque não tem mesmo. A nudez é uma coisa, o sexo é outra. O brasileiro tem mania de associar nudez ao sexo. Eu não. Cresci achando que nudez é nudez, e sexo é outra coisa.

Vera Fischer desfila no Maracanãzinho já com o manto, o cetro e a coroa de miss Brasil
Vera Fischer desfila no Maracanãzinho já com o manto, o cetro e a coroa de miss Brasil - 28.jun.1969/ Folhapress

ATRIZ

Até os 25 anos, eu falava assim: 'Estou trabalhando, mas não sou atriz'. Embora já tivesse feito filmes e tudo, mas não tinha feito novela ainda.

Aos 25 anos, eu e o Perry [o ator e diretor Perry Salles], meu primeiro marido, a gente produziu um filme, "Intimidade" [1975]. Depois desse filme, eu falei: 'Agora eu sou atriz'. Sabe essas clarezas que você tem?

MACHISMO E ASSÉDIO

Sofri preconceito e machismo na televisão e no cinema. Mas eu sempre fui muito curiosa e muito engraçada. Posso contar uma coisa para você? Não sei se é bom publicar isso não [ela silencia por alguns segundos]

Não vou contar não. Mas é uma coisa que o diretor quer [a coluna a questiona se era uma situação de assédio, e ela confirma].

Eu dei uma resposta que o cara não imaginava. Falei sobre menstruação, coisas assim. A pessoa foi ficando com nojo, nojo, nojo, nojo. Nunca mais falou nada.

Eu sempre me safava para não me tirarem do trabalho e, ao mesmo tempo, conseguir cortar o barato dos caras. Nunca tive que dar pra ninguém. Eu sairia da novela [se precisasse transar com o diretor], se fosse o caso.

As outras pessoas tinham depressão ou davam para ficar [no trabalho]. Esse tipo de jogo, eu nunca fiz. Sou livre.

Acho que as pessoas devem falar, sim, sobre assédio [como é falado hoje em dia]. Mas falar 20 anos depois que aconteceu? Ah, desculpa... Por que não se defendeu [antes]? Não tem unhas e dentes? As mulheres têm esse grave defeito de não falarem ou não se defenderem. Não sei o que é. Por que você tem que esperar ajuda do Me Too?

Mas eu sou diferente também. Cada pessoa é como é. Eu acho que todo o mundo tem que fazer o que acha que tem que fazer. Respeito cada um.

IMPRENSA E MEMES

Até ter a internet e as redes sociais, o que tínhamos? Tínhamos a imprensa, né? E a imprensa fala o que ela quer. Sempre falou. De mim, então!

Eu acho engraçado porque uma outra fala assim [se refere à atriz Christiane Torloni]: 'Hoje é dia de rock, bebê'. Aí vira um meme. Mas os meus memes são mais engraçados. [Ela cita, rindo, manchetes de revistas antigas que viralizaram nas redes sociais nos últimos anos, como uma da revista "Quem" que traz a seguinte frase polêmica de Vera na capa: "Tem dois anos que não faço sexo"].

[Apesar de se divertir com os memes, ela afirma que se incomodava com a imprensa na época]. Porque eles se metiam bravamente, ficavam na porta da minha casa. E eu brigando pela minha vida pessoal.

Hoje, eu tenho o meu perfil na rede social, que tem o meu nome. O que escrevo ali, sou eu que estou escrevendo. Se as pessoas quiserem acreditar no que os outros falam, é problema delas. Eu estou falando o meu ali, para a minha galera.

DROGAS

Quantos milhões não se drogaram e estão mal hoje em dia, envelheceram, estão péssimos de cabeça? Eu, não.

Quando eu falei para mim, eu vou parar [de usar drogas], parei. Quando eu me dou uma ordem, é mais forte, é mais seguro. Eu acho que eu confio mais em mim.

POLÍTICA

Eu não gosto de falar sobre isso [política]. Mas eu faço questão de votar. Sou esse tipo de pessoa política. O panfletário, eu não sou.

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