Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu LGBTQIA+

A vida toda ouvi que fracassaria se fosse gay, diz Bruno Fagundes

Em sua primeira entrevista após assumir namoro, ator fala sobre a sua sexualidade e o apoio familiar: 'Se o meu pai [Antonio Fagundes] foi capaz de hoje ser um aliado, qualquer pai pode ser'

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O ator Bruno Fagundes no restaurante El Mercado Ibérico, em São Paulo

O ator Bruno Fagundes no restaurante El Mercado Ibérico, em São Paulo Karime Xavier/Folhapress

O ano era 2019 quando o ator Bruno Fagundes ouviu de uma empresária do ramo artístico que ele não conseguia mais trabalhos porque "dava pinta" no Instagram. "Ela me engatilhou em lugares que eu passei uma vida inteira dizendo para mim mesmo que tinha superado", relembra.

Não era a primeira vez que o ator sofria uma violência por ser homossexual. Aos 20 anos, ele apanhou na rua, nas imediações da avenida Paulista, em São Paulo, ao lado de outros dois amigos. As agressões, segundo ele, partiram de um grupo de 20 skinheads. Em outro momento, foi questionado por um repórter de TV se era gay. Negou. Ao chegar em casa, vomitou. "Foi muito traumático, porque eu não tinha a maturidade que tenho hoje."

Filho da atriz Mara Carvalho e do ator Antonio Fagundes, Bruno cresceu sob os holofotes. Ele diz que ser apontado como o sucessor do pai sempre o incomodou. Ainda mais um pai que era na TV "a representação do que seria o ideal do homem heterossexual, o macho alfa".

Aos 33 anos e mais seguro de si, Bruno decidiu falar pela primeira vez publicamente sobre a sua sexualidade. "Acho que compartilhar a minha história pode ajudar alguém."

O ator Bruno Fagundes posa para foto no restaurante El Mercado Ibérico, em São Paulo
O ator Bruno Fagundes posa para foto no restaurante El Mercado Ibérico, em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

Ele recebeu a coluna no restaurante El Mercado Ibérico, na capital paulista. Dias antes desta entrevista, Bruno tinha se tornado uma das principais notícias dos sites de celebridades ao publicar em suas redes sociais uma foto assumindo o namoro com o também ator Igor Fernandez.

A repercussão que a imagem teve o surpreendeu, especialmente pelo fato de um casal LGBTQIA+ ainda causar tanto barulho em 2023. Mas teve também um lado positivo: ele diz não ter recebido nenhuma mensagem de ódio por causa da foto. "Me deu uma certa esperança de que a gente está evoluindo."

Nesta conversa de pouco mais de uma hora, Bruno discorreu sobre os motivos que o levaram a falar abertamente sobre o assunto, o seu novo projeto profissional e o apoio familiar. "Se o meu pai foi capaz de hoje ser um aliado, qualquer pai pode ser."

A FOTO

Eu não planejei [publicar a imagem], não pensei no resultado, não pensei no que poderia me trazer ou não. Eu só fiz o que tive vontade de fazer.

O Igor postou primeiro e eu repostei. Eu pensei: "Foda-se", com o perdão da palavra. "O que tem de errado nisso? O que tem de errado nessa manifestação [de amor]? Está tudo bem."

Me surpreendeu o tamanho, a proporção da coisa, porque foi algo que eu nunca tinha vivido.

Bruno Fagundes e Igor Fernandez
Bruno Fagundes e Igor Fernandez - Reprodução/Instagram

Não sou idiota para ficar lendo comentário de site de fofoca, acho que é um abismo. Mas, pessoalmente, o que recebi de feedback foi 100% positivo. Eu não vi uma mensagem de ódio, de incompreensão. Fiquei muito feliz com o que recebi. Me deu uma certa esperança de que a gente está evoluindo.

Mas sinto também que sou um privilegiado, porque existe muito ódio ainda.

NAMORO

Ele [Igor Fernandez, seu namorado] foi a primeira pessoa de quem eu fiquei amigo na novela [ "Cara e Coragem", na Globo]. Foi muito bonito. Estarmos juntos, hoje, nasceu de um lugar muito sincero, muito honesto, de uma boa convivência, de uma amizade, de uma confidência, de uma vontade de estar perto. De repente, a gente falou: "Nossa, será?".

REVELAÇÃO

O fato de eu nunca ter falado sobre isso [sexualidade] antes é, talvez, por eu não me sentir seguro o suficiente. Hoje, me sinto. E acho que compartilhar a minha história pode ajudar alguém. Talvez, eu tenha a possibilidade de fazer alguém se compreender melhor. E é por isso que eu faço o que faço. E não à toa estou fazendo uma peça ["A Herança"] que fala sobre um menino que precisa explodir a sua história.

REPRESENTATIVIDADE

A gente [pessoas LGBTQIA+] é sempre minoria nas nossas famílias. Quando você olha para a questão racial —também com as suas devidas exceções—, você tem alguém em quem se espelhar. Você tem seu pai ou sua mãe ou seu avô ou seu bisavô. Você se identifica com aquelas pessoas racialmente, geneticamente. Na nossa existência [LGBTQIA+], não. Você nasce num ambiente totalmente desprotegido, onde ninguém tem capacidade de te proteger ou te dizer como é o caminho. Ninguém tem a capacidade de te direcionar, de te acalmar. Ainda mais na nossa sociedade estruturada pelo machismo que, obviamente, traz a homofobia.

Bruno Fagundes com o pai, o ator Antonio Fagundes
Bruno Fagundes com o pai, o ator Antonio Fagundes - Instagram/bruno.fagundes

Eu tenho um pai que é a representação do que seria o ideal do homem hétero, macho alfa. E isso não tem nada a ver com ele pessoalmente. Isso tem a ver com o trabalho dele.

VIOLÊNCIAS

Eu sofri ao longo da minha vida diversas violências. E sei que falo isso de um lugar de privilégio. Posso enumerar três situações mais emblemáticas.

A primeira é que eu já apanhei na rua. Eu tinha mais ou menos 20 anos e estava andando com dois amigos, perto da avenida Paulista. E passaram uns 20 caras que, não sei se faz muito sentido chamar assim, mas seriam skinheads.

Eu me lembro de pensar enquanto apanhava: "Eu tenho sorte de nenhum deles estar com uma faca na mão ou um canivete".

E eu não estou contando a história de um lugar vitimizante, porque não é. Mas acho que é importante dizer porque essa violência, quando não mata literalmente, te mata internamente. Ela gerou uma falha no meu sistema que até hoje eu estou tentando consertar.

Outra violência que passei foi pelo fato de ter tido uma vida muito exposta. Eu tinha de 19 para 20 anos, ainda não tinha demonstrado o meu trabalho direito e não tinha razão para estar num site de fofoca a não ser pelo fato de ser filho de uma pessoa famosa.

O ator Bruno Fagundes no restaurante El Mercado Ibérico, em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

Eu fui entrevistado ao vivo por um repórter e ele perguntou na minha cara se eu era gay. E era num contexto que não tinha absolutamente nada a ver. Respondi que não. Voltei para casa e me lembro de vomitar.

Foi muito traumático, porque eu não tinha a maturidade que tenho hoje, e aí alguém te expõe dessa forma. É uma violência gratuita.

A minha sexualidade é a minha sexualidade. O meu trabalho é o meu trabalho. Nunca parei de trabalhar, nunca usei nenhuma carta de celebridade, de filho de famoso

Bruno Fagundes

ator

A terceira violência que sofri foi ouvir de uma empresária de atores bastante conhecida que meu Instagram não era viril demais. E isso foi em 2019.

Ela disse, não exatamente com essas palavras, que eu dava "pinta" no Instagram e, por isso, estava batendo na trave [de não conseguir trabalho]. O que era uma mentira, porque eu estava fazendo "Zorro: O Musical" e gravando a série "3%"[da Netflix]. Eu perguntei se algum produtor de elenco tinha dito isso para ela, e ela falou que não.

Essa mulher fez um homem de 30 anos ficar arrasado. Ela me engatilhou em lugares que eu passei uma vida inteira dizendo para mim mesmo que tinha superado.

Eu ouvi a minha vida inteira que eu ia fracassar se eu fosse gay nessa profissão. Ouvi isso de empresários, agentes. Ninguém está livre da opressão estruturante.

A minha sexualidade é a minha sexualidade. O meu trabalho é o meu trabalho. Nunca parei de trabalhar, nunca usei nenhuma carta de celebridade, de filho de famoso. Eu sou da labuta. Não sou da polêmica.

NOVO PROJETO

Eu assisti a essa peça ["A Herança"] em 2019, na Broadway. E ela virou um hit, ganhou muitos prêmios. É uma discussão geracional sobre tudo: morte, vida, traição, amor, humor, afeto, continuidade.

São 25 personagens revezados por 12 atores. E tem cinco horas e meia de duração. Eu acho isso revolucionário. A vantagem é que ela é dividida em duas partes. São duas peças individuais, que você pode assistir em dias diferentes.

Eu trouxe o [Reynaldo] Gianecchini e o Rafael Primot para o elenco. É um projeto de risco, uma aventura teatral, mas que eu acredito muito. Vamos estrear a peça em março deste ano, em São Paulo.

LEI ROUANET

As últimas quatro peças que fiz, eu me produzi. E com recurso próprio. Dessa vez, por ser uma peça muito grande, eu precisei recorrer à lei de financiamento cultural, a Lei Rouanet. Ao contrário do que todo o mundo pensa, não é mamar na teta do governo, não é dinheiro público. É dinheiro privado que iria para o imposto de renda e vai ser revertido para a cultura.

Mas vai falar disso… É difícil.

As pessoas não têm ideia do que é produzir uma peça. Se elas tivessem ideia, iam respeitar. Não iam dizer que é mamar na teta do governo coisa nenhuma, porque o trabalho é insano.

É como abrir uma empresa. Uma empresa que tem vida própria, que tem recursos humanos, que tem parte contábil, jurídica, alimentação, transporte, montagem e desmontagem.

DISSOCIAÇÃO

Eu não segui os passos do meu pai. Não fui para nenhum lugar em que ele possa ter me colocado. Quando a gente decidiu trabalhar juntos [nas peças "Vermelho", "Tribos" e "Baixa Terapia"] foi uma decisão mútua, porque a gente estava no momento profissional para aquilo.

Eu odeio essas expressões 'seguir os passos', 'tal pai, tal filho', 'filho de peixe'

Bruno Fagundes

ator

Você está sempre exposto por ser filho [de um ator famoso]. Então, o meu caminho de vida foi em busca da minha individualidade. De cortar, de criar uma dissociação no sentido bom da palavra, porque não tem nada a ver com a nossa relação pessoal. Sou apaixonado por ele.

ACEITAÇÃO FAMILIAR

Fácil nunca é. O começo é difícil, porque tem projeção, tem proteção.

Eles [os pais] também não sabiam o que fazer [quando foi agredido na rua]. O que você faz? Eu tive a sorte de não morrer. De verdade. Não tem o que um pai ou uma mãe possa fazer a não ser dar amor. E isso eu tenho deles de sobra.

E também sei que é uma condição privilegiada. Tem gente que é expulsa de casa, tem gente que é afastada dos seus. E isso é mérito dele [do pai]. Isso é a caminhada dele. Tenho muito orgulho de chamá-lo de aliado.

Se ele foi capaz de ser um aliado, qualquer pai pode ser.

Todo o mundo tem um caminho interno para fazer, cada um tem a sua questão, tem a sua época, tem a sua geração para lidar, as suas relações estruturantes para redefinir. Se ele fez isso, todos os pais podem fazer.

SEM SUCESSOR

Na sociedade machista há essa ideia do sucessor. E isso é de uma injustiça tão grande. Coloca a gente num lugar de comparação que é absolutamente irreal. E me põe uma pressão.

Eu odeio essas expressões "seguir os passos", "tal pai, tal filho", "filho de peixe". Ainda hoje, às vezes sai uma reportagem sobre mim e não fala o meu nome. Você tem noção do quão anulante é isso?

O ator Bruno Fagundes - Karime Xavier/Folhapress

Eu fui para caminhos que meu pai não foi. Eu canto, danço, toco piano, fui me especializar no que faço para criar a minha individualidade. Não para ser melhor que ninguém, mas para entender onde está o meu artista.

E o tempo todo me enfiavam na caixa do sucessor, do que deve agir tal e qual. E isso te anula internamente, você sente que não existe, que você não tem individualidade. Mas eu nunca abaixei a cabeça para isso.

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