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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Às vezes a gente fica meio triste, é muita informação', diz João Gomes

Cantor de pisadinha fala sobre os desafios da vida na estrada e comenta pedido de desculpas após puxar coro contra Bolsonaro no Rock in Rio: 'Meu pai não me ensinou assim'

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João Gomes no camarim da casa de shows Villa Country, em São Paulo

João Gomes no camarim da casa de shows Villa Country, em São Paulo Jardiel Carvalho/Folhapress

Gritos estridentes e lágrimas de emoção marcam o clima e a trilha sonora do camarim do cantor João Gomes enquanto ele recebe seus fãs —em sua maioria, mulheres— no Villa Country, casa de shows localizada na Barra Funda, zona oeste de São Paulo. Um fotógrafo da equipe chega a brincar com uma delas: "Não chora para a foto não ficar feia".

As admiradoras, que aguardavam em uma longa fila para fazer uma selfie, foram recebidas por um cantor simpático e solícito que não deixava transparecer o cansaço.

João Gomes tira selfie com fã no camarim da casa de shows Villa Country, em SP - Jardiel Carvalho/Folhapress

Na manhã daquele mesmo dia, João havia aterrissado em São Paulo vindo da Europa, seguido para o Rio, onde participou de uma gravação na TV Globo. Terminada a agenda na capital fluminense, ele retornou a São Paulo para encarar uma apresentação de mais de duas horas madrugada adentro.

Esse ritmo frenético reflete a velocidade surpreendente com que João, de apenas 20 anos de idade, foi do anonimato ao posto de astro da pisadinha, estilo eletrônico de forró que é febre no Brasil.

O cantor começou a chamar a atenção gravando canções nas redes sociais. Se até fevereiro de 2020 ele nem sequer tinha iniciado uma carreira, no ano seguinte lançou seu álbum de estreia, "Eu Tenho a Senha", que se tornou um dos discos mais ouvidos no Brasil. "Foi tudo muito rápido, não tive muito tempo [para processar]", afirma ele, em conversa com a coluna antes do show, para depois emendar: "Como quase tudo na minha vida."

João tem um jeito tímido, que contrasta com a voz potente e grave que marca as suas canções. "Quando eu era criança, tinha vergonha de cantar até no chuveiro. Um dia, vi meu tio cantando no banho e pensei: ‘Ah, todo mundo faz’", lembra.

"Comecei com esse primeiro público [do chuveiro], imaginário. Depois, quando recebia uma visita em casa, começava a cantar alguma coisa ali para ver se ela prestava atenção."

Nascido em Serrita, cidade do sertão de Pernambuco, João Fernando Gomes Valério já havia se conformado com o fato de "que a carreira de música não ia dar certo". Foi com cerca de 18 anos que ele recebeu seu primeiro cachê mais expressivo, de R$ 1.000.

"Eu liguei para a minha mãe para dizer que o que ela precisasse, eu ia dar", afirma, ao falar sobre a primeira coisa que fez ao receber o pagamento. Ela sabia, porém, que o filho queria um celular para gravar vídeos melhores para as redes sociais. "Então, ela me incentivou. Eu ainda tive que passar por muitos [desafios], mas foi Deus mostrando que, devagarzinho, eu ia conseguir".

Sua terra natal carrega a cultura da vaquejada —esporte em que duas pessoas, montadas a cavalo, tentam derrubar um boi—, bastante presente no trabalho de João.

"A cultura do vaqueiro e das cantigas é o que faz a pele arrepiar. Quando a gente canta a vaquejada, a gente canta a saudade, onde nosso coração sempre vai estar, [que é] naquele Norte, aquele lugar mais seco, aquele canto de que a gente não abre mão nunca", diz.

E do que o João sente saudades? "Acho que é de quando eu ficava no mundo da lua, sabe? Me perguntando o que tinha ali, nas luzes depois da serra, pensando o que o pessoal estava fazendo no Japão enquanto a gente estava indo dormir em Serrita", descreve.

"Quando acabou esse roteiro, e eu conheci o mundo, percebi que o melhor lugar sempre vai ser aquele lugarzinho", continua. A vida na estrada, admite, tem seus momentos "em que às vezes a gente fica meio triste, sem entender o que está acontecendo, porque é muita informação".

"Tem os dois lados da moeda. No dia do [show do] Rock in Rio, por exemplo, eu queria estar lá, tocando do jeito que aconteceu, mas, às vezes, quando a gente passa por umas bocadas, a gente diz: ‘Eu queria estar em casa’."

Em sua estreia no festival, em setembro do ano passado, João puxou coro contra o então candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). Ele desceu do palco para cumprimentar o público que se aglomerava nas grades, enquanto gravava um vídeo com o celular. "Ei, Bolsonaro", gritou o cantor, no que o público emendou: "Vai tomar no c*".

Posteriormente, ele se desculpou pela ação. "Errei e desrespeitei alguns fãs… Não apoio qualquer bandeira, mas fui irresponsável", escreveu nas redes sociais. O cantor chegou a ter um show cancelado no Maranhão por causa do episódio. Questionado sobre o que motivou a retratação, João Gomes diz que atendeu a um pedido do pai.

"[Foi] por causa do meu pai. Ele não me ensinou a insultar ninguém. Foi uma decisão muito errada para quem não tem nenhum lado [na política], e acho que foi a melhor coisa que eu fiz [pedir desculpas]. Se meu pai tivesse morrido, não queria ter essa culpa. Fiz o que ele me pediu", explica.

"Não era para ter falado. Era para eu ter curtido o momento, tirado fotos com aqueles fãs. Eu que desci [até o público], não era obrigatório. Foi uma dessas primeiras experiências que a gente tem que passar para aprender mesmo."

A conversa sobre política para por aí. João Gomes é blindado por sua equipe, que não o deixa falar sua opinião sobre o governo do ex-presidente e as expectativas em relação à gestão de Lula (PT).

Terminado o show no Villa Country, por volta das 3h da manhã, João sai do palco direto para a van que o levará ao hotel. "[Amanhã] Vou para Recife, mas para ficar de boa. Vou dormir o dia todinho que Deus deu", celebra o cantor, entre risos. "Hoje, não dormi foi nada. Teve uma hora, bem no finalzinho do show, que eu percebi que eu estava com sono. Fiz o show, [mas] parecia que eu estava dormindo. Parecia um sonho. Bagulho doido."

João Gomes no camarim da casa de shows Villa Country, em São Paulo - Jardiel Carvalho/Folhapress

O público pareceu não perceber —entoou todas as músicas e manteve o celular em punho para filmar a apresentação. Além de suas próprias composições, João grava também canções de artistas de diferentes gêneros, que vão de sucessos da roqueira Pitty, passando pela MPB de Roberta Campos até letras do rapper Orochi. Em todas as interpretações, ele traz a melodia para o estilo da pisadinha.

"Tudo pode virar piseiro, velho, mas isso acontecia antes de mim. Mano Walter, por exemplo, cantava essas canções antigas e as colocava no forrozão. Fazia um sucesso tremendo, a galera abraçava", diz.

"Eu, graças a Deus, tive bons amigos para me mostrar que a vida não é uma eterna competição. Às vezes, rola uma competitividade, é uma coisa sadia. Meu amigo Lennon [o rapper L7, com quem gravou uma parceria] que me mostrou que, quando a gente se une, os gêneros ficam mais fortes."

"Foi difícil para mim entender o que era isso no mercado musical. No passado, as bandas de forró se atrapalhavam, aí se uma chegava numa certa região, a outra já não chegava. Apesar de todas as rixas, que a gente sabe que podem acontecer, a gente fica mais forte com a união", defende.

Fã de rap e trap, o cantor cita, sem pensar muito, Belchior, Cartola e Luiz Gonzaga como suas principais influências. "É daí que eu me inspiro", segue João. Ele define seu mais recente álbum, "Raiz", lançado em março deste ano, como um trabalho "simples, mas suficiente, para fazer [com que] as boas letras cheguem ao coração das pessoas."

O cantor se prepara para lançar um DVD do disco, que foi gravado em Petrolina (PE), com músicas inéditas e regravações. Ele convidou artistas como Raquel (dos Teclados), Iguinho e Lulinha, Assisão, Joyce Alane e Jadson Araújo para participarem do projeto.

"Uma vez, estava com o [cantor] Péricles. Ele falou que a gente canta o que a outra pessoa não tem coragem de falar. É importante que a gente consiga perceber essas coisas, às vezes tão simples, que as pessoas não têm coragem de falar, mas que a gente tem que cantar [por elas]", segue. "Acho que é por aí. Foi boa essa, não foi?", finaliza, entre risos.

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