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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Pop atual tem cantores muito parecidos e 'Anittas aguadas', diz Marina Lima

Cantora, que se prepara para revisitar seu repertório em curta temporada na capital paulista, antecipa detalhes de novo projeto, rejeita saudosismo e fala sobre o fim de seu casamento

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A cantora Marina Lima

A cantora Marina Lima em sua casa, na capital paulista Candé Salles/Divulgação

Marina Lima tinha 21 anos quando se viu diante do que parecia ser improvável. Uma gravação trazia a voz de Maria Bethânia entoando a primeira canção musicada por ela e escrita por seu irmão mais velho, Antonio Cicero. Era 1976. Além do registro fixado na memória de Marina e de quem mais se encontrava no mesmo estúdio em que a faixa foi gravada, pouco restou dos versos de "Alma Caiada" cantados pela baiana —o fonograma foi vetado pela censura prévia da ditadura militar (1964-1985) e jamais veio a público.

"Tinha um verso que dizia assim: ‘Mas às vezes pressinto / Que não me enquadro na lei / Minto sobre o que sinto / Me esqueço tudo que sei’. Bom, devem ter achado que era a Lei de Segurança Nacional", relembra ela, aos 67, rindo. A força da censura, no entanto, não se sobrepôs à centelha que se avolumou a partir daquela gravação.

Assim como Bethânia, outras pessoas receberam composições de Marina e Cicero gravadas em uma fita cassete, que viajou de Washington, onde os dois viviam com a família, até o Rio, por intermédio de um primo. "Tia Léa [Millon, prima da mãe de Marina e empresária artística] ligou para os meus pais: ‘A fita da Marina fez o maior sucesso. As pessoas ficaram impressionadas. Acho que ela devia vir aqui’", conta.

Marina obedeceu. Em 1978, após a primeira audição de sua vida, fechou com a Warner Music Brasil e se tornou a primeira mulher contratada da gravadora, que já tinha em seu panteão de artistas nomes como Tom Jobim e Belchior. "Liguei para o Cicero [e disse]: ‘Cicero, volta pra cá que agora temos uma profissão no Brasil. Vamos compor um disco’", relembra. "Foi tudo assim, de repente. A vida foi aco ntecendo."

A cantora Marina Lima
A cantora Marina Lima em sua casa, na capital paulista - Candé Salles/Divulgação

De tudo o que aconteceu, desde então, os admiradores da cantora poderão ter uma amostra a partir deste sábado (6), quando os feitos por ela consolidados em mais de quatro décadas de trabalho e 21 discos serão celebrados com o espetáculo "Uma Noite com Marina Lima – Hits, Drinks e Talks", no clube de jazz Blue Note, na capital paulista. A temporada se estenderá até o final deste mês, com dois shows a cada sábado.

"Eu gosto porque tem um quê de receber em casa, tem um quê de intimidade", diz ela, entusiasmada com a possibilidade de fazer um show em um espaço diminuto, com capacidade para cerca de 300 pessoas.

"Num lugar menor, a pessoa não vai perder nenhum detalhe ali. Eu posso ousar mais e fazer um negócio mais sofisticado, porque o público vai ver e ouvir tudo o que acontece."

Os hits, os drinks e as conversas que dão nome ao projeto têm a sua razão de ser. Quem for ao endereço da avenida Paulista esperando ouvir clássicos como "Fullgás" e "À Francesa" será atendido, assim como quem cultivar a expectativa de brindar com Marina Lima e ouvir algumas das histórias por trás das composições.

"O palco é como se fosse a minha casa", conta, ao falar sobre o que está planejando. "É um negócio preparado para que, se eu fosse ver, eu ficasse ‘óóóó’ no show de alguém que eu admirasse", emenda, enquanto seus olhos se iluminam e as mãos se agitam no ar diante da constatação. "Eu quero dar o meu melhor para as pessoas ali."

O esmero com que trata o seu repertório, no entanto, não deve ser confundido com saudosismo, alerta Marina. A proximidade do aniversário de 40 anos do disco "Fullgás", que serão completados em 2024, por exemplo, não a comove a ponto de planejar shows e lançamentos comemorativos. "Não vai nunca partir de mim uma ideia dessa. Mas não vai mesmo!", dispara, entre gargalhadas. "Eu vou pensar em coisas que eu ainda não fiz."

Reverenciada como um nome fundante do pop no país, Marina costuma ser lembrada pela cantora Letrux como a correspondente brasileira do que Madonna significa para a música nos EUA. "Eu tenho um pouco, na minha formação, de Bossa Nova, Beatles, música negra americana, música popular brasileira, tropicalismo. No começo, eu era um liquidificador. E tudo aquilo passava por um crivo meu", arrisca, ao explicar como teria se embrenhado no estilo e criado sua marca na virada dos anos 1980.

"Quando eu comecei, era uma luta porque não tinham mulheres que tocassem guitarra. Quem gostava da minha música, gostava. Quem não gostava, ficava com ódio daquilo. Eu tive muito trabalho, muita decepção, fui machucada. Mas eu não me queixo", emenda, contrapondo com uma gargalhada o teor do relato.

A cantora Marina Lima
A cantora Marina Lima em sua casa, na capital paulista - Candé Salles/Divulgação

Marina não se furta de rasgar elogios a nomes da nova cena musical brasileira que admira. "Quando a Letrux lançou o disco dela [‘Letrux em Noite de Climão’], para mim foi um alívio. Eu falei: ‘Finalmente alguém novo, numa linhagem parecida’. A Letrux podia ser minha filha", diz, rindo. Em seguida, exalta Alice Caymmi. "Eu não sei se é uma coisa da família ou o que é que ela tem que tudo do que se apropria é um absurdo, é um trovão, é uma força."

Um de seus maiores desejos atualmente, conta, é compor para Alice. "Ela fala assim: ‘Não, não, Marina. Eu também te adoro, mas o que eu faço não é o que você faz. O que você faz é sofisticado’. Eu tento!", diz, fazendo beiço. "Ela não tem o menor interesse em arriscar alguma coisa comigo, mas eu faria de tudo para fazer alguma música para ela", brinca.

A avaliação geral de Marina sobre o pop brasileiro, porém, não é tão otimista. "Tem vários cantores que são muito parecidos, eu não sei nem quem é quem. A Anitta tem o trabalho dela, ela é forte e tal, mas, além de ter o trabalho dela, ainda tem o genérico da Anitta. São Anittas mais aguadas."

"Tem diferentes pops. Agora, genéricos da Anitta eu fico ‘meu Deus’. Mas aí é um gosto meu. Eu não estou dando aqui juízo de valor", segue. O que, exatamente, a desagrada? Marina responde: "É a fórmula, a letra, a melodia, o refrão. São dois acordes, [não] tem quase nada. E só [fala] sobre trepada. O mundo, para mim, não é só sobre isso. Eu entendo, mas não é só isso o que me move. Eu entendo que alguém com 17, 18 anos possa querer ouvir isso para despertar uma transa, uma ‘night stand’ e tal. É meio gratuito, para mim, porque eu quero mais do que isso."

"Na realidade, o que me interessa hoje em dia são relações aprofundadas. E eu descobri, com o tempo, que para mim o melhor sexo é com essas relações. Onde eu me aprofundei e descobri o que eu quero muito —aí eu me dedico mais."

Marina se divorciou há quatro meses da advogada Lídice Xavier, com quem foi casada por dez anos. "Eu vivi um luto", diz, sem grandes voltas. "A gente sempre acha que vai durar e tal, mas as coisas não são o que a gente imagina. É aquele negócio do Vinicius [de Moraes]: ‘Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure’. Eu vivi essa realidade infinita. Acabou. E foi difícil lidar com isso."

"Mas agora eu estou começando a sair do luto. E querendo de novo ser feliz, ficar solteira um pouco, fazer amizades, descobrir outros interesses, outras pessoas. E ver no que dá. Não sei se vou querer casar de novo", segue. "Talvez eu não queira morar mais junto, porque é muito difícil separar e tirar as coisas. É tão doloroso. Seria também doloroso separar de um grande amor se acabasse e tal, mas talvez cada um numa casa fosse menos…" —diz, antes de deixar escapar um suspiro— "... arrancar um pedaço."

A cantora Marina Lima
A cantora Marina Lima em sua casa, na capital paulista - Candé Salles/Divulgação

Enquanto se refaz em meio ao lar e ao amor desfeitos, a carioca se mostra otimista para o que está por vir, inclusive pela passagem do tempo. "Eu estive pensando outro dia que a idade assusta mais quando você não está nela ainda, seja qual for. Quando você está olhando de fora, você compra o peixe que te vendem. E, no caso do envelhecimento, não é um peixe muito bom", pondera.

"Para mim, a idade, quando chega, é uma novidade. E como é que vou fazer daquilo o melhor para mim?", diz. "Sim, estou velha" —faz uma breve pausa antes de se corrigir. "Estou mais velha, mas eu gosto disso. Eu quero descobrir onde é que está o barato disso agora."

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