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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Artistas acusam emissoras de intransigência em debate sobre direitos autorais

OUTRO LADO: Entidades que representam o setor afirmam que não se opõem ao reconhecimento da remuneração autoral de obras, mas que contratos antigos devem ser respeitados

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Um grupo de atores e cantores liderados por nomes como Marisa Monte, Glória Pires, Malu Mader e Maria Flor acusa emissoras de TV de intransigência no debate sobre o pagamento de direitos autorais pela reprodução de obras antigas em plataformas de streaming e na internet.

Novas regras sobre o assunto fazem parte do projeto de lei das Fake News. Para facilitar a aprovação das propostas e reduzir as resistências, o texto foi fatiado e seria votado em regime de urgência na semana passada na Câmara dos Deputados. A votação, porém, não ocorreu por não haver consenso entre as partes.

Ministra Margareth Menezes, vestindo casaco e calça rosa, posa para foto cercada de artistas
Artistas se reuniram com a ministra da Cultura, Margareth Menezes, em Brasília, no início de maio, para defender pagamento de direitos autorais na internet - Divulgação

Em texto enviado à coluna, os artistas culpam a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) e a Abratel (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), que representam o setor, de inserir "pegadinhas" na versão final da proposta.

"Há uma recusa das empresas de radiodifusão em reconhecer que as mudanças por que tem passado o ambiente digital nos últimos anos devem refletir em um novo modelo de remuneração para criadores e artistas", diz o grupo.

Segundo eles, a remuneração compensatória garantiria dignidade à classe artística, principalmente os artistas menos famosos, que não têm contratos de exclusividade e trabalham por obra.

"Um ator ou um roteirista que faz um trabalho num filme ou numa novela recebe por isso no momento da contratação. Depois, essa obra é usada e exibida milhões de vezes no streaming, gerando lucros para as empresas, um lucro permanente, mas nada disso é dividido com os criadores", diz o grupo.

Em nota pública, a Abratel e a Abert afirmam que não deve se falar hoje "em ausência de pagamento do artistas" quando uma obra audiovisual é disponibilizada para acesso na internet. "Os contratos celebrados entre a classe artística e as emissoras de radiodifusão já preveem uma remuneração [...] Entretanto, a classe artística pretende receber esta nova remuneração por obras audiovisuais produzidas no passado, cujos direitos autorais e conexos para a disponibilização na internet já foram previstos e/ou pagos pelas emissoras e a cessão de direitos permanece vigente".

As entidades dizem também que não se opõem ao reconhecimento desta remuneração autoral, mas "compreendem que referido direito deverá respeitar os contratos já pactuados e que estejam em vigor".

Apesar dos atritos, atores e empresas se dizem abertos para novas negociações.

No mesmo projeto, também está prevista a remuneração de conteúdo jornalístico pelas big techs, uma demanda dos principais veículos de comunicação, entre eles a Globo e a Folha.

Leia a seguir, texto assinado pelo grupo de artistas em resposta a perguntas feita pela coluna. A mensagem é assinada pelas atrizes Gloria Pires, Julia Lemmertz, Malu Mader, Maria Flor, pelos músicos Marisa Monte e Roberto Frejat e pela produtora Paula Lavigne, mulher de Caetano Veloso.

A votação do projeto de lei dos direitos autorais e da remuneração jornalística foi adiada porque o acordo que existia entre os grupos retrocedeu. O que aconteceu?
Os artistas e o Ministério da Cultura negociaram durante três meses um texto de comum acordo, em um processo com extrema boa vontade dos criadores, em que a Abratel e a Abert trocaram com o grupo. No entanto, mesmo depois de muitas versões do projeto, a última versão não refletiu o entendimento que, enfim, havia sido alcançado com as empresas nacionais de radiofusão.

Além de várias pegadinhas no texto, há uma recusa das empresas de radiodifusão em reconhecer que as mudanças por que tem passado o ambiente digital nos últimos anos devem refletir um novo modelo de remuneração para criadores e artistas.

Hoje, essa remuneração, quando existe, está baseada em contratos de cessão de direitos cujos termos apresentam cláusulas abusivas e nulas. Um exemplo disso são contratos antigos que falam em "tecnologias que venham a ser inventadas" e que possuem cláusulas que perduram por todo o prazo de proteção dos direitos autorais, isto é, até que as obras ou as interpretações caiam em domínio público, que no audiovisual, por exemplo, é depois de 70 anos.

As empresas de radiodifusão querem que esses contratos, que incluíram utilização no ambiente digital há cinco, dez ou 15 anos, tenham predominância sobre uma nova lei que remodela e moderniza as relações entre empresas e criadores.

Lembrando que essas empresas no digital não são radiodifusoras, mas empresas de streaming. Por exemplo, novos modelos de negócio e patrocínios são desenvolvidos com a disponibilização de novelas antigas no streaming ou na internet, mas seus benefícios não são compartilhados com os seus criadores, que estão na base de tudo.

Autores e artistas até admitiram, na negociação, uma transição de três anos para as empresas nacionais de streaming relacionadas à radiodifusão se adaptarem à criação da remuneração compensatória criada pelo PL 2370/2019, mas as empresas de radiodifusão querem poder continuar praticando os mesmos contratos de adesão que praticam hoje, até depois da aprovação da nova lei.

Isso só beneficia um lado de toda essa cadeia criativa e representa a adoção do mesmo modelo predador de negócios praticado pelas big techs, que inclusive foi o motivo da greve de roteiristas e autores nos Estados Unidos. A luta que estamos tendo aqui é a mesma que está ocorrendo lá. Com a imposição das empresas nacionais de radiodifusão importando esse modelo predador, a negociação não pôde mais avançar, uma vez que penaliza duramente milhares de profissionais que não têm renda fixa.

Qual é a exigência dos artistas sobre a remuneração dos direitos autorais de obras antigas?
Os autores e artistas querem que, ao se utilizar obras no streaming, as plataformas remunerem todos os criadores envolvidos. Isso não inviabiliza o funcionamento das plataformas. E já é praxe em outros países como Argentina, Chile, Colômbia, Espanha e França. Os artistas chegaram a concordar com uma carência de três anos para as empresas de radiofusão que usam suas criações no streaming se adaptarem, mas mesmo assim a Abratel e a Abert não concordaram e tentaram criar regras que na prática nunca permitiriam os pagamentos.

Querer ser remunerado a partir da entrada em vigor da lei, ou após o prazo de transição, independentemente da idade da obra, não é querer receber pagamentos retroativos.

Se assim fosse, as empresas jornalísticas, incluídas as de radiodifusão, que terão direito a uma remuneração pelos seus conteúdos utilizados em plataformas e redes sociais, estariam proibidas de receber por notícias antigas que eventualmente venham a ser utilizadas nesses meios digitais, o que obviamente não é o caso. Em suma, o que autores e artistas querem é exatamente o mesmo que as empresas de jornalismo querem, demanda, aliás que achamos justa e que apoiamos.

O que o grupo defende sobre pagamentos a intérpretes e autores que têm suas obras reproduzidas em streaming? Como é hoje? E como ficaria?
Hoje, os criadores, roteiristas, atores, diretores e músicos nada recebem além do valor da contratação e muitos vivem em situação de extrema vulnerabilidade. Por exemplo, um ator e um roteirista que faz um trabalho num filme ou novela recebe por isso no momento da contratação. Depois, esse filme ou novela é usado e exibido milhões de vezes no streaming, gerando lucros para as empresas, um lucro permanente, mas nada disso é dividido com os criadores.

Se um filme ou uma série estourar em audiência (visualizações) nada é compartilhado com seus criadores. Nenhum centavo. Diferente do que as plataformas praticam em outros países. Defendemos uma remuneração compensatória pelo uso de nossas criações no ambiente digital, só isso. É a mesma luta de roteiristas e atores nos Estados Unidos, que entrarem em greve visando justamente isso.

Por que esse tema é tão importante para os artistas? A classe está unida? Como está a conversa com as empresas de TV e os deputados?
Porque os artistas, principalmente os menos famosos, não têm contratos de exclusividade, trabalham atualmente por obra e não possuem nenhuma garantia de remuneração. O direito de remuneração garante dignidade aos artistas, principalmente os mais necessitados.

A classe nunca esteve tão unida, músicos, compositores, cantores, atores, roteiristas, diretores e produtores. Parlamentares de diferentes partidos, à esquerda e à direita, concordam com a reivindicação negociada ao longo de três meses e que não avançou pela intransigência da Abert e da Abratel. É curioso que, durante as conversas com os parlamentares, os mesmos se espantavam em saber que algumas classe de artistas, como músicos e todos os envolvidos em obras audiovisuais, não recebiam das plataformas de streaming pelos usos que eram feitos. Mas acreditamos ainda num acordo e continuamos à disposição para negociar com as empresas de radiodifusão que bloqueiam a negociação.

Nós, autores e artistas, apoiamos a remuneração para o jornalismo no ambiente digital, porque se trata de questão de justiça. Mas também esperamos o mesmo tratamento para as nossas reivindicações.

LEIA ABAIXO O POSICIONAMENTO DA ABRATEL E DA ABERT

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

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