Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Aprendi a cozinhar adulta, entendo o medo de dar errado e a vergonha das pessoas, diz Rita Lobo

Sucesso na internet e no GNT ensinando receitas práticas e que dão certo, a chef e apresentadora se prepara para estrear na Globo com uma série documental em que investiga o arroz com feijão de todos os dias do brasileiro

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A chef e apresentadora Rita Lobo Eduardo Knapp/Folhapress

Quando tinha 17 anos, Rita Lobo conta que decidiu fazer um mapa astral. A astróloga disse que ela tinha três opções profissionais para seguir: trabalhar com tecidos, perfumes ou comida. Na época, a hoje chef e apresentadora mal sabia cozinhar. "Eu não sabia fazer nada, só um bolo que a minha avó tinha me ensinado", diz.

"Ela me falou assim: 'Mas eu acho que você vai trabalhar com comida. Só que eu não estou entendendo muito bem, porque tem muita gente envolvida, mas não é vender comida'", relata Rita, entre risos. A previsão se provou mais do que certa, ainda que a astróloga não tivesse clareza de como seria esse caminho. Afinal, era o início dos anos 1990, e a internet ainda engatinhava no mundo.

E foi justamente no ambiente digital, com o site Panelinha criado por Rita na virada de 1999 para 2000, que a chef prosperou e se tornou uma celebridade ao ensinar, de forma didática, o que parece básico, mas não é: receitas que funcionam na prática.

"É um serviço. Como aprendi a cozinhar já adulta, eu entendo a dificuldade das pessoas, entendo o medo de dar errado, a vergonha de ficar ruim", diz. "Entendo tudo isso, porque passei por isso também."

Ao longo de 23 anos, o Panelinha se expandiu: virou uma editora e produtora de conteúdo. Hoje, 20 pessoas trabalham diretamente no negócio, que é administrado por Rita e seu marido, o jornalista Ilan Kow.

A sede do Panelinha fica em uma casa em Alto de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, que foi completamente reformada durante a pandemia para atender às necessidades do projeto. É ali, em meio a refletores de um estúdio de TV, fogões, pias e eletrodomésticos que Rita grava o Cozinha Prática, programa de sucesso que apresenta no GNT.

O local também abriga uma redação e um estúdio fotográfico onde são produzidos os textos e fotos que alimentam o site e as redes sociais de Rita. Além de uma cozinha para o teste das receitas.

Foi neste lugar que ela e o marido receberam a coluna, na manhã da última quarta (8), com um café fresco feito em uma prensa francesa e bolo de limão com semente de papoula —ambos preparados por sua equipe (e deliciosos).

Rita vive a expectativa de um novo desafio: estrear na TV aberta. "Prato Feito Brasil", que irá ao ar na Globo a partir do dia 24 deste mês, tem um formato bem diferente do site e das atrações que ela já comandou no GNT.

"Não tem nem receita. Não é um programa de receita", já avisa ela. É uma série documental, em que a cozinheira deixa um pouco o "lado professoral" para conhecer a comida que as pessoas preparam no dia a dia em diferentes pontos do país.

A ideia original é dela, que estava com vontade de "ter mais alcance", de falar com mais gente sobre um assunto que, em sua visão, é essencial: a importância de uma alimentação saudável. Rita trava uma batalha contra o consumo de ultraprocessados e defende com afinco o que chama de "comida de verdade" —entendida como aquela que é feita com alimentos que vêm da natureza, sem substâncias que não são encontradas na cozinha de uma casa.

A mensagem indireta da série, explica ela, é mostrar para as pessoas que o arroz com feijão tão tradicional do Brasil e que "a gente come desde a infância" já "é muito bom" e saudável. "Comer mais legumes e verduras, melhor ainda. E, para isso, cozinhar é fundamental. E tem que ser um trabalho de homens e mulheres. Não pode ser só da mulher", afirma.

Mas a série, ressalta Rita, é também entretenimento. Ela conta histórias das famílias. "E são histórias emocionantes, que a gente fica segurando o choro."

Para a chef e apresentadora, estar na Globo é um "tiro de canhão". "Eu acho que é um projeto vitorioso, independentemente do que vai dar de audiência, porque a gente já deu esse primeiro passo de chegar na TV aberta falando de comida de verdade."

"Prato Feito" vai ao ar num horário menos nobre da programação da emissora. Será exibido às sextas-feiras, após o Globo Repórter. Para Rita, "é ótimo, porque fica bem claro que a gente não está fazendo um programa de culinária da manhã".

"E pega um público que está interessado no assunto e nesse tipo de formato, porque o Globo Repórter também tem esse aspecto mais documental", analisa. Rita destaca ainda que a atração é multiplataforma e ficará disponível também na plataforma Globoplay, além de ser transmitida aos sábados no GNT.

Ela detalha que a série foi planejada e desenvolvida em quatro episódios e se encerrar nela mesma. Rita gravou a atração em quatro capitais: Belém, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. Inicialmente, não há previsão para novas temporadas.

Comida é o meu assunto. Já era antes de virar moda e vai ser depois que sair de moda

Rita Lobo

chef e apresentadora

Questionada se teria um programa de culinária matinal, algo semelhante ao que Ana Maria Braga faz no Mais Você, ela afirma que não é a sua linha. "O que a gente faz [no GNT] é programa produzido, roteirizado com uma mensagem. É mais serviço mesmo."

Diz também que já foi convidada para ser jurada de realities do tipo MasterChef, mas não topou , nem toparia. "Eu entendo o entretenimento, acho super legal, acho super importante que exista, porque traz o assunto cozinhar à tona, mas não é o meu jeito", explica.

"E eu só faço o que eu quero", afirma, rindo, e se corrigindo na sequência. "Não é que eu só faço o que quero. É mentira, mas é que eu sei o que quero falar. Esse é o meu assunto. Já era antes de virar moda e vai ser depois que sair de moda."

"Para mim não é uma oportunidade [falar de comida]", frisa. É também o seu tema nas redes sociais, que explodiram em popularidade na pandemia. No seu perfil oficial no Instagram, Rita soma 2 milhões de seguidores.

No período de confinamento, ela fazia lives todos os dias para auxiliar quem estava em casa e precisava aprender a cozinhar. "A pandemia me mostrou que, para mim, é muito importante me sentir servindo o outro", diz.

"Eu sei que parece estranho, mas essa sensação de ajudar numa transformação, de estar a serviço do outro é uma coisa muito poderosa para mim. É um lugar em que eu gosto de estar." Foi sentimento semelhante que a impulsionou, ainda que de forma intuitiva, a começar toda a sua trajetória com o Panelinha.

Por volta dos 18 anos, ela diz ter tido um "insight de que, independentemente do que fosse seguir como profissão, precisava saber cozinhar". "Eu achava estranho precisar de alguém para fazer a minha comida todos os dias." Rita, então, fez um curso em Nova York. Ali, afirma ter se encantado pelo ofício.

A chef, escritora e apresentadora Rita Lobo na sede do Panelinha, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

"Quando eu me formei, fiquei obsessiva com esse assunto. Eu queria que todos os meus amigos aprendessem a cozinhar, porque é legal, porque você ganha autonomia, porque é uma ponte de conversa e contato com outras pessoas", diz.

"No fundo, é isso o que me motiva até hoje. Quase 30 anos se passaram, e eu continuo tentando convencer todo o mundo a entrar na cozinha."

"E eu não estou dizendo que você precisa cozinhar todos os dias ou que só pode comer o que você cozinha. É ótimo sair para comer ou pedir alguma coisa num dia de preguiça", afirma. "O que eu acho que não pode de jeito nenhum é não saber diferenciar ultraprocessado de comida de verdade. Porque você vai querer cortar glúten acreditando que é melhor para a sua alimentação, e não há nada que comprove isso."

"Daí ferrou porque você transforma a comida em inimigo", acrescenta. E será que a Rita Lobo prepara as refeições do dia a dia em sua casa? "Eu cozinho o dia inteiro aqui [no trabalho]", responde ela, aos risos. "A gente brinca que o Panelinha é o lugar em que você leva a marmita do trabalho para a casa."

No fim de semana, ela e o marido dizem gostar de receber amigos ao redor da mesa. "O Ilan cozinha muito mais do que eu", diz ela. "Eu tenho acesso a Rita Lobo ao vivo", diverte-se ele.

A coluna indaga qual é o prato que a chef mais gosta de fazer. Ela fica pensativa por alguns segundos e diz: "A cozinha para mim é trabalho, é ciência, é um montão de coisas. Mas a primeira coisa que me vem à cabeça [após a pergunta] é que eu adoro cozinhar coisas que os meus filhos amam comer. Qualquer coisa que eu vejo eles comerem assim [com aquela expressão] de 'hummm..que delícia', me deixa satisfeita."

Nessa lista está uma sopa judaica. "É um caldo de galinha com bolinhas de matzá [um tipo de pão da culinária judaica]." Rita, que tem 49 anos, é mãe de dois jovens adultos: Dora, 19, e Gabriel, 21.

Por outro lado, questionada se tem algum alimento de que ela não gosta, Rita diz que sim, mas que prefere não revelar para não influenciar o seu público. "Quer ver uma outra coisa do meu trabalho que ninguém percebe? Não tem meu gosto pessoal [nas receitas]. Eu quero dar autonomia para as pessoas. Tem de tudo."

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