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'Meu trabalho não é místico, é mítico', diz Antonio Peticov

Com uma mostra em cartaz em São Paulo, artista fala sobre seu método de trabalho, sua paixão pela tecnologia e a falta que sente das críticas

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O artista Antonio Peticov em seu ateliê no bairro do Sumaré, em São Paulo Marlene Bergamo/Folhapress

Antonio Peticov está com uma exposição em São Paulo, na galeria A Estufa. "Montanhas Sagradas e Transcendências" tem curadoria de Denise Mattar e fica em cartaz até o dia 15 de dezembro.

Foi o filho do artista, Pedro Antonio, quem sugeriu ao pai que pintasse sete montanhas, em que em cada tela predominasse uma cor do espectro. Peticov achou que a ideia combinava com os 77 anos que completou em 2023.

Selecionou sete cumes ao redor do mundo, como o Mont Blanc, na fronteira entre Itália e França, o monte Fuji, no Japão, e Uluru, antes conhecida como Ayers Rock, na Austrália, e deu a cada uma delas uma tonalidade diferente. Algumas dessas cores são surpreendentes, mas todas são possíveis na vida real, dependendo das condições meteorológicas.

Terminada a série, o artista continuou no tema, mas em outra chave, menos realista. Pintou o monte Roraima, na fronteira entre Brasil e Venezuela, mais alto do que de fato é. Outros picos são totalmente fantasiosos.

"Já pintei muitas montanhas. Elas são uma coisa importantíssima", afirma Peticov. "São lugares sagrados, lugares de respeito. Esse respeito que a montanha impõe é atraente. Quem que você vê na rua que inspira respeito? Sem que abra a boca. Sem que diga quem é. A montanha, ela inspira por si só."

"Eu sou muito elogiado porque sei pintar montanha bonitinho. Mas isso não é nada: ela está lá, basta copiar. O difícil é fazer abstrato. O abstrato não representa, ele se apresenta."

"Embora não pareça, o meu trabalho não é místico. É mítico. Eu trabalho com mitos. Acabei de fazer uma série de 22 desenhos sobre mitos do folclore brasileiro. Tem um deles que mora no meu escritório: o Saci-Pererê. Filho da puta! Ele esconde as coisas. Some tudo."

Com 65 anos de carreira, Antonio Peticov já tem lugar garantido na história das artes plásticas brasileiras. Mas o tipo de reconhecimento que ele prefere é outro. "Um dia a Amélia Toledo [artista já falecida] me ligou e disse que a mãe dela, que estava morrendo, queria um poster meu em frente à cama dela. Qual retorno pode ser melhor do que isto?"

Como muitos artistas, ele também sofreu pressão familiar para seguir uma carreira "normal". "Minha mãe tinha um irmão que era um alto executivo do Banco do Brasil. ‘Filho, vai falar com o tio Luiz. Ele vai te dar um emprego decente’. Eu fui, mas não deu certo. Hoje eu tenho uma foto desse meu tio segurando um poster meu."

A idade não o afeta. "Eu estou pronto para ir embora, mas não quero ir. Hoje de manhã (na segunda, 4), tive um acidente em casa. O chuveiro elétrico despencou em cima de mim. Eu podia ter morrido. Mas não aconteceu nada... Eu já tive vários sinais. Ainda não é a minha hora."

"Soube de uma pessoa que, quando descobriu que só tinha mais um mês de vida, entrou em profunda depressão. Comigo seria o contrário: eu faria festa todo dia!"

"A vida é maravilhosa, essa bolinha em que a gente vive é super. Eu sou apaixonado pela Terra. E pelo ser humano, com toda a ‘filhadaputice’ dele. Tem uns caras maravilhosos. Eu sou devoto do Ailton Krenak. Você viu o que ele falou? ‘Sou o primeiro brasileiro na Academia Brasileira de Letras’."

Mas como se define? Religioso, agnóstico, ateu? "Eu não sei. Acho que sou um curioso."

Nascido na Bulgária, o pai de Antonio Peticov era pastor batista. "Era um cara vocacionado. Veio para cá com um grupo de agricultores, a chamado do governo brasileiro, com todas as promessas. Chegaram na região da Alta Sorocabana e não tinha nada. Era uma armadilha. Quem tinha grana, voltou. Os que ficaram, formaram uma comunidade."

"Meu pai foi o único do grupo a se casar com uma brasileira. Eu nasci em Assis, no interior de São Paulo, mas um ano depois fomos todos morar na cidade natal da minha mãe: Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo."

"A cultura do meu pai era muito rígida, muito austera. Hoje eu a admiro muito. Nada como o passar do tempo para a gente entender nossas raízes, não é?"

Na década de 1960, já morando em São Paulo, o pai de Peticov tinha uma reunião com pastores toda segunda-feira, no centro da cidade, e levava o filho junto. Que sempre dava um jeito de fugir e circular pelas redondezas. Foi numa dessas escapadas que o artista descobriu um clube de jazz e, mais do que isto, sua paixão pela música.

Peticov não toca nenhum instrumento, mas já produziu muitos shows. Fez a capa do único compacto da banda O’Seis, um sexteto que contava com Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias Baptista, que logo depois formariam Os Mutantes. "Eu copiei descaradamente uma capa dos Beatles, e coloquei o grupo com um lado da cara na sombra, a outra na luz."

Antonio Peticov fez a capa do único compacto da banda O’Seis, um sexteto que contava com Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias Baptista, que logo depois formariam Os Mutantes
Antonio Peticov fez a capa do único compacto da banda O'Seis, um sexteto que contava com Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias Baptista, que logo depois formariam Os Mutantes - Reprodução

Seguiram-se muitas outras capas. Na primeira vez em que foi à ilha de Bali, na Indonésia, no começo dos anos 1980, Peticov conheceu seu primeiro Walkman, o toca-fitas portátil que se tornou uma febre. E a fita cassete que estava dentro do aparelho era de um álbum da banda Azimuth, cuja capa era assinada pelo artista.

A ligação com o universo da música também o aproximou do Tropicalismo. Quando foi a Londres pela primeira vez, nos anos 1970, ficou hospedado na casa de Gilberto Gil, de quem é amigo até hoje.

Apesar da fama internacional, Peticov não se tornou um homem rico, e hoje não tem sequer um galerista que o represente. "Eu acredito em milagres, e sei que anjos não têm asas. Está cheio de anjos por aí, e já apareceram vários na minha vida. Tem um que está pagando um ano do meu aluguel. Um amigo que disse, ‘você não pode ficar preocupado com aluguel, tem que trabalhar, criar’."

"Mas o que eu gostaria mesmo é que alguém comprasse a casa onde eu moro e a doasse para o meu instituto [Instituto de Arte e Cultura Antonio Peticov, que tem vários programas educacionais]. Ia ter isenção total no imposto de renda!"

Peticov é um entusiasta da tecnologia. "Faço muita releitura de trabalhos famosos. Eu monto a imagem primeiro no Photoshop [um software de edição de imagens], porque eu prefiro errar e consertar ali, na tela do computador, do que na tela, depois. Então quando vou para a tela, eu já sei o que quero."

"Mas são casos em que, na realidade, eu estou mais colorindo do que pintando. E o meu interesse é pintar. Depois que eu rendo essa informação inicial na tela, eu quero que ela tenha a minha estrutura, que é o meu traço, o meu gesto. Ninguém tem igual."

O artista se mantém atualizado com o avanço da informática, apesar da velocidade com que as mudanças acontecem. "Eu fui intérprete do Timothy Leary [guru das drogas psicodélicas] quando ele veio a São Paulo, na década de 1990. Ele estava entusiasmado com o CD-ROM. Lembra do CD-ROM? Pois é. Sumiu."

Já pela cena artística atual, seu interesse não é tão grande. "A Documenta, as grandes bienais, não são mais eventos de arte. São feiras de commodities. Por que alguém paga US$ 80 milhões [cerca de R$ 400 milhões] por uma tela do Jean-Michel Basquiat [artista americano morto em 1988]? Porque virou commodity. Porque tem valor de revenda."

Mesmo assim, ele gostou do que viu na 35ª Bienal de São Paulo, que termina neste domingo (10). "Eu sou filho da Bienal. Na década de 1960, a gente ia várias vezes, ficava lá o dia inteiro, se enriquecendo. Agora, aquela ‘Bienal do Vazio’ [a 28ª edição da mostra, de 2008, que tinha andares inteiros sem nenhuma obra], aquilo foi um absurdo."

Peticov também não poupa farpas contra alguns nomes consagrados da arte contemporânea. "Não gosto do Damien Hirst, não gosto do Jeff Koons... Tive um assistente que depois se tornou um artista muito admirado, mas acho que ele segue uma fórmula. O Vik Muniz."

Pergunto como ele lida com as críticas. "Graças a Deus, ninguém me toca. Eu sou carta fora do baralho. Na verdade, estou esperando por alguma crítica. Não tenho recebido."

"Um crítico famoso ia fazer textos para dois livros meus, um de desenhos e outro de pinturas. Chamei o cara para conversar. Ele disse que não precisava, porque já sabia tudo. Eu tenho medo de quem sabe tudo."

"São livros bonitos. Mas, quando eu dou de presente, peço para a pessoa não ler os textos. Porque não dizem nada. São só elogios. Eu quero crítica!"

Encerro a entrevista com uma pergunta que faço a todos os entrevistados: tem algum assunto em que a gente não tocou, mas que você gostaria de abordar? Peticov ri. "Todos."

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