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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Sempre quis pegar o facão e sair abrindo caminhos', diz Larissa Luz

Cantora fala sobre estreia de 'Torto Arado' no teatro, peça em que interpreta a protagonista Bibiana, relembra tempos como vocalista do Ara Ketu e conta que Margareth Menezes foi sua conselheira

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A cantora e atriz Larissa Luz no Teatro Sesc Casa do Comércio, em Salvador - Olga Leiria / Folhapress

"Será que Itamar vai gostar disso, gente?", Larissa Luz se pergunta. "Estou doida para pegar o número dele e ficar mandando mensagem de manhã, de tarde e de noite: ‘Você acha o quê disso?’, ‘Bibiana faria isso?’", completa, rindo.

A opinião cobiçada é a de Itamar Vieira Junior, autor do fenômeno literário "Torto Arado" e criador de Bibiana, personagem que Larissa interpretará no palco do Teatro Sesc Casa do Comércio, em Salvador, no próximo mês e meio. A avaliação do escritor permanecia incógnita para ela até a noite de sexta-feira (13), quando o espetáculo fez sua estreia com ingressos esgotados.

Cantora e apresentadora, Larissa Luz usa agora o seu chapéu de atriz para apresentar ao público a primeira adaptação já feita do best-seller para o teatro. Foram dois meses ensaiando de segunda a sábado, das quatro da tarde às dez da noite, para dar forma à história que se passa no sertão baiano e é recontada como musical pelas mãos dos dramaturgos Elisio Lopes Junior, Aldri Anunciação e Fábio Espírito Santo.

A cantora e atriz Larissa Luz no Teatro Sesc Casa do Comércio, em Salvador - Olga Leiria/Folhapress

Dias antes da estreia, Larissa recebeu a coluna em Salvador, cidade em que nasceu, para falar da empreitada. Ela diz que seu primeiro contato com "Torto Arado" se deu por meio de sua mãe, professora de literatura e fã incondicional da obra. Uma versão com páginas pintadas em aquarela, personalizada pela matriarca, é guardada com esmero até hoje.

"Falei para Elisio: ‘Fiz um checklist com minha mãe. Acho que a gente vai gabaritar", brinca a atriz, ao falar sobre as consultas que realizou em casa. "Ela foi pontuando as situações que achou marcante do livro, e todas a gente tinha [inserido na peça]. O corte na língua, a relação de Bibiana com o primo, o ciúme. Me lembro de falar: ‘Isso tem! Isso aí também tem!"

"Mas é um desafio contar essa história sem deixar de ser fiel à literatura e à história de Itamar. E ainda tem que encaixar as músicas no meio disso, fazer tudo caber num tempo ‘x’ e contemplar o elenco, mostrar o talento de todo mundo. É um bordar minucioso, muito difícil", completa. Além dela, outros 15 atores e mais seis músicos entram em cena.

Larissa enumera alguns motivos para celebrar a chegada de "Torto Arado – O Musical" em sua vida. O retorno para sua cidade natal, o reencontro com amizades nascidas quando encenou suas primeiras peças na adolescência, o colo de mãe, uma grande estreia fora do eixo Rio-São Paulo e a possibilidade de promover discussões importantes por meio da arte são algumas delas.

"Itamar tornou popular uma parada que tinha temas seríssimos, fortes e pesados. E é uma mensagem que as pessoas precisam saber ao redor do mundo. [Na vida real] Quando a gente fala de sertão, de interior, de disputa de terra, de racismo, de genocídio, isso tudo fica muito por baixo dos panos. E são pessoas que estão ali, esquecidas", diz.

"A gente vê quilombolas morrendo, sendo assassinados brutalmente, por causa de disputa de terra. São temas que, infelizmente, são atuais. E que a gente tem mesmo que estar trazendo à tona, falando, futucando. É pegar toda essa magnitude que o espetáculo pode proporcionar e fazer com que ele vire uma ferramenta de transformação social."

Aos 37 anos, Larissa acumula trabalhos que asseguram a ela a alcunha de multiartista. Além de três discos autorais, nos últimos anos ela foi aclamada por Elza Soares ao interpretar a veterana no teatro e teve um lugar para chamar de seu no sofá do Saia Justa (GNT), programa do qual foi apresentadora entre 2022 e de 2023.

"São 350 abas abertas ao mesmo tempo", brinca, ao falar sobre como concilia as diferentes frentes de sua carreira. "Mas eu só consigo ser tudo o que sou, na minha plenitude, porque tenho uma equipe muito incrível por trás, tanto na minha carreira artística quanto na minha vida pessoal. Sozinha, não dá."

"A gente tende a pensar na gente, quer acumular tudo, e nem precisa. É bom também poder alimentar uma cadeia produtiva e, financeiramente, fazer isso girar. Eu estou ali ganhando, mas também distribuindo e fazendo carreiras serem alimentadas à minha volta."

A estreia da artista no show business se deu aos 19 anos, quando se tornou vocalista do tradicional grupo de axé Ara Ketu. Depois de Margareth Menezes, Larissa foi a primeira cantora negra a ter um destaque tão grande à frente de uma banda baiana, nas palavras da também cantora Xênia França, sua conterrânea.

"Foi um desafio porque eu estava entrando no lugar de Tatau, uma voz emblemática da música baiana e um compositor exímio que já tinha 20 anos de história dentro da banda", relembra.

"Eu nunca tinha assumido nada nem perto daquela proporção. Cantava em hotel, em barzinho e até em navio de cruzeiro. Mas nunca tinha subido num trio elétrico. Não sabia nem como é que subia ali", conta, gargalhando.

"Lembro da primeira vez em que me pediram um autógrafo. Fui comer uma empada, e o garçom chegou falando: ‘Você é a menina do Ara Ketu, né? Me dá um autógrafo?’. E eu assim, paralisada. Minha amiga de infância, que estava comendo empada comigo, cochichou: ‘Assina o papel, assina o papel!’. E eu: ‘Boto o quê?’. Acabou sendo ‘um beijo, Larissa Luz’", diz, ainda rindo.

A cantora e atriz Larissa Luz no Teatro Sesc Casa do Comércio, em Salvador - Olga Leiria/Folhapress

"Mas eu sempre fui coragem também. Pintou trabalho? Bora. Vou entender como é que funciona a estrutura do meio artístico, do business, do mainstream. E eu sou grata [pelo período no Ara Ketu], mesmo sabendo que entrei no território complexo que era a música baiana naquela época."

"Tinha muito machismo e muito racismo também. Apesar de ser uma mulher preta, eu estava tendo que me enquadrar em algumas coisas. A cantora de axé tinha que ter um corpão, tinha que ter um peitão, tinha que ter um cabelo específico", conta.

A artista afirma que, à época, sua sorte foi ter a mãe em sua retaguarda —a professora dizia à filha que ela não deveria ceder a pressões estéticas ou tentar se adaptar a um ambiente se ele ficasse pesado demais. Outra importante conselheira foi a própria Margareth Menezes, hoje à frente do Ministério da Cultura.

"Lembro que uma vez encontrei com ela, na época do Ara Ketu, e ela falou: ‘Se alguém falar ou sugerir alguma coisa para você, na sua carreira, que seja agressivo para você ou que não te faça sentir bem, que não te deixe à vontade, não faça’. Isso [o conselho] eu gravei pra sempre na minha vida. Ela foi muito mãezona, sempre me segurava pela mão."

Larissa cresceu no Nordeste de Amaralina, ao sul de Salvador, em um lar com mãe e pai presentes. Ela diz que sua família "nunca teve grana", mas que jamais teve a sensação de que faltou algo em sua vida por ter "todo o amor" ao seu redor.

Nascida quando sua mãe tinha 22 anos de idade e ainda cursava a faculdade de letras, ela afirma que sua criação foi amparada pelas demais mulheres da família.

"Eu morava no fundo da casa do meu avô. Do outro lado, ficava minha tia, e do outro, tinha outra tia. Quando eu não estava com uma, estava com outra. Essas mulheres são pilares e a base para tudo o que eu sou hoje. Sempre as mulheres."

Outro elemento de sua criação foi o sincretismo religioso. A artista diz ver a fusão entre orixás e santos católicos de forma crítica, diante do passado escravocrata brasileiro, mas afirma que não exige a mesma compreensão das pessoas ao seu redor.

A cantora e atriz Larissa Luz no Teatro Sesc Casa do Comércio, em Salvador - Olga Leiria/Folhapress

"Eu cresci muito nesse lugar do sincretismo, entre o catolicismo e o candomblé. Era orixá e santo, Pai Nosso, reza e bate-folhas, como diz a peça. Tudo misturado. Depois eu fui crescendo, indo mais para o lado do candomblé e entendendo [o sincretismo] muito como estratégia do nosso povo."

"Mesmo achando que agora que a gente já entendeu [o que foi o sincretismo, historicamente], eu não exijo essa desassociação. De certa forma, esse encontro simboliza uma quebra de uma intolerância que até hoje ainda é muito forte. E nesse lugar eu acho bonito, porque são as pessoas se aceitando e entendendo que a gente está falando da mesma coisa."

Além da montagem de "Torto Arado", que terá temporada estendida em Salvador após intensa procura do público e deve ser levada a outros estados, Larissa se prepara para lançar, nas próximas semanas, seu primeiro disco inédito em cinco anos. O trabalho batizará o que ela tem chamado de sua nova era —depois das batidas eletrônicas e elementos de percussão que marcaram sua música até aqui, ela agora quer explorar o rock.

"É um resgate do rock negro, essencialmente. De alguma forma, é um resgate da minha adolescência [quando teve uma banda de rock formada por mulheres], da minha rebeldia. E Bibiana tem me ajudado nesse lugar", afirma.

"Às vezes, você tem que ser branda, paciente. Tem que aguentar, tolerar e ir se acalmando, e com isso vai perdendo a sua rebeldia e a vontade de transformar pelo meio voraz da coisa. Para mim, isso sempre foi ponto de partida. Eu sempre quis pegar o facão e sair abrindo caminhos. Isso está em mim."

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