Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu legislativo municipal machismo

A paridade de gênero é o melhor caminho para combater o machismo e o assédio no legislativo

É essencial colocar essa pauta na agenda da luta pelos direitos das mulheres.

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Após dois mandatos na Câmara Municipal de São Paulo, convivendo com a atmosfera machista que ali impera, cheguei a seguinte conclusão: a melhor maneira de enfrentar o assédio nesses ambientes é a obrigatoriedade da paridade de gênero em todos os legislativos do país.

Escamoteada nos espaços formais, como plenários e comissões, explícita nas reuniões fechadas nos gabinetes dos “manda chuva” da Câmara, onde as reais decisões são tomadas, e escancaradas nas rodas de vereadores no café ou nas rodadas descontraídas com bebidas alcoólicas, a masculinidade tóxica é uma cultura fortemente arraigada no legislativo.

Sem mudanças estruturais na composição de gênero dos legislativos, essa cultura dificilmente será combatida, até mesmo porque ela está fortemente presente na sociedade.

O assédio explícito cometido por Fernando Cury (Cidadania) contra a deputada Isa Penna (Psol ) no plenário da Assembleia ocorreu à luz do dia por falta de discernimento do deputado sobre onde ele se encontrava. Ele misturou o machismo explícito das rodas descontraídas com a aparência de civilidade do plenário.

Cury estava conversando com dois deputados, todos homens, olhando para Isa, que se esticava para alcançar a solene mesa diretora da Assembleia (de altura descomunal e desnecessária) e falar com o presidente. Provavelmente, esses deputados estavam em um “animado” bate-papo sobre os atributos da deputada, tipo de conversa comum nos ambientes do legislativo, onde os homens são a grande maioria.

De repente, em um arrombo de sem-vergonhice, Cury resolveu ir até ela, talvez para demonstrar sua masculinidade. Um colega ainda tentou detê-lo pelo braço, em vão. O resto da história as imagens da TV mostraram.

Em reportagem na Folha, várias deputadas revelaram cenas de assédio e importunação que sofreram no Congresso Nacional, mas sempre cometidas em ambientes reservados. Expressaram o constrangimento e como o medo da situação se repetir limitam suas atuações parlamentares.

Nenhuma tornou público os fatos, nem denunciou os assediadores ao Conselho de Ética. Não queriam se expor nem se indispor com os colegas de parlamento que, no futuro, poderiam prejudicar seus projetos políticos. Previam que a impunidade prevaleceria, provavelmente com acusações se voltando contra a vítima. É uma atitude racional, mas que estimula novos casos de assédio.

A postura de Isa Penna foi diferente, mas a “operação abafa” já começou na Assembleia Legislativa. O presidente Cauê Macris (PSDB) relutou em autorizar a divulgação do vídeo que mostra a grotesca cena do crime e vem protelando a abertura de uma Comissão de Ética para avaliar a cassação do deputado, esperando que o caso esfrie durante o recesso.

Vários deputados se solidarizaram com Cury, que integra a base de apoio do governador Doria na Assembleia. Apenas as provas irrefutáveis do assédio e sua ampla divulgação pela imprensa podem evitar mais um caso de impunidade.

A deputada estadual Isa Penna (PSOL) no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo
A deputada estadual Isa Penna (PSOL) no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo - Carol Jacob/Alesp

Enquanto as mulheres, que são 52,5% da população, forem minoria esmagadora nos legislativos, dificilmente essa cultura machista e de impunidade poderá ser enfrentada. As leis com ações afirmativas para ampliar a presença das mulheres nos legislativos tiveram baixa efetividade.

Em 1997, se reservou uma cota de 30% das candidaturas de cada partido para as mulheres. Em 2009, determinou-se que as mulheres deveriam ocupar 30% das vagas preenchidas pelos partidos. Em 2017, decidiu-se que 30% do fundo eleitoral deveria ser destinado às mulheres. Em 2018 e 2020, foram promovidas inúmeras campanhas na mídia para estimular a participação e o voto em candidatas mulheres.

Apesar de um pequeno acréscimo, não ocorreu uma mudança estrutural e os homens continuam predominando largamente. No Congresso Nacional, as mulheres ocupam apenas 15% das cadeiras na Câmara Federal e no Senado.

Nas eleições municipais desse ano, as mudanças foram tímidas. As vereadoras eleitas são apenas 16% do total, com um pequeno crescimento em relação a 2012 e 2016, quando alcançaram 13,5% dos eleitos. Apenas 12% dos prefeitos eleitos são mulheres. Mesmo em São Paulo, onde várias mulheres se elegeram, o aumento foi pequeno: de 11 para 13 representantes entre 55 vereadores.

Em termos de participação das mulheres no legislativo, a posição do Brasil é vergonhosa. No mundo, o país ocupa a 154º posição entre os 174 países avaliados. Na América Latina e Caribe, entre 33 países, o Brasil ocupa a 32º posição. Pelo caminho que tem sido trilhado, levaremos décadas para mudar esse quadro.

Por isso, é necessário mudar estruturalmente o sistema eleitoral, adotando-se a paridade de gênero em todos os legislativos. Isso significa destinar às mulheres metade da vagas do Câmara Federal, das assembleias legislativas e câmaras municipais. Todos os eleitores, independentemente do gênero, teria direito a dois votos, um para escolher as representantes mulheres e outro para escolher os homens.

Para que essa alteração não seja desvirtuada, deve-se promover outra mudança: a proibição de parentes de 1º grau de um parlamentar ou de um candidato possam se candidatar a um cargo legislativo na mesma ou em outra casa legislativa, evitando-se que tenha continuidade a formação de “famílias” políticas, que estão dominado o parlamento.

A paridade de gênero, garantida automaticamente pelo sistema eleitoral, mudaria por completo o ambiente machista e sexista que domina os legislativos, inclusive a composição da Comissão de Ética, a quem cabe avaliar comportamentos como o do Deputado Fernando Cury e eventualmente cassá-lo, o que desestimularia atitudes semelhantes.

Embora seja muito improvável o Congresso, eleito pelas regras atuais, cortar na própria carne e aprovar a paridade de gênero, é essencial colocar essa pauta na agenda da luta pelos direitos das mulheres.

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