Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Onde a cidade deve se adensar e onde deve ser protegida

SP dispõe de inúmeras áreas ociosas ou subutilizadas que poderiam absorver crescimento

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Uma verdadeira campanha em defesa de mais verticalização em São Paulo está em curso, promovida por representantes do mercado imobiliário e por defensores de um urbanismo ultraliberal.

Nesse debate, estão sendo usados alguns argumentos corretos e que inclusive embasam a concepção e a estratégia do Plano Diretor Estratégico (PDE), como a necessidade de adensamento populacional e de produção de habitação social e de mercado popular nas áreas bem servidas de infraestrutura, com objetivo defender alterações na legislação visando liberar a construção de prédios mais altos nos bairros e eliminar restrições, como limite no tamanho dos apartamento e no número de garagens nos eixos de transporte coletivo.

Essa argumentação, como a feita na semana passado pelo ex-presidente do Secovi e colunista da Folha, Claudio Bernardes, na Câmara Municipal, tem sido acompanhada de dados sobre o esvaziamento populacional do centro expandido e o crescimento acelerado da periferia a partir de 1980, relacionando esse processo à atual legislação urbanística e ao Plano Diretor de 2014, para assim, justificar a necessidade de sua alteração

De fato, entre 1980 e 2000, quando vigorava o zoneamento de 1972, todos os distritos do centro expandido de São Paulo sofreram um forte esvaziamento. Na década de 1990, 55 dos 96 distritos da cidade tiveram redução da população, sendo em seis o decréscimo alcançou de 2,5% a 4,0% ao ano.

É bom lembrar, no entanto, que em todos os distritos onde o mercado imobiliário foi dinâmico e onde provocou verticalização, a população também diminuiu. Ou seja, prédios mais altos, por si só, não geram adensamento urbano.

Foi essa reflexão que embasou o Plano Diretor de 2002 e de 2014, assim como as Leis de Uso e Ocupação do Solo, que objetivaram reverter esse processo, buscando associar adensamento construtivo ao populacional e combinando diferentes volumetrias, das mais verticalizadas às mais horizontais.

Os resultados apareceram já em 2010, quando o Censo Demográfico revelou que apenas três distritos do centro expandido perderam população entre 2000 e 2010, sendo que os demais tiveram crescimento de até 4% ao ano. Em contrapartida, o crescimento demográfico dos distritos periféricos arrefeceu.

O atraso do Censo de 2020 não permite uma avaliação precisa da última década, mas vários indicadores mostram que os dispositivos do PDE de 2014 aceleraram o processo iniciado em 2002. A região central vem recebendo uma porcentagem expressiva dos lançamentos residenciais, que vem ocorrendo, sobretudo, em terrenos vazios ou imóveis subutilizados.

Outra justificativa que tem sido utilizada com frequência para defender maior verticalização é que a Zona de Estruturação Urbana (ZEU), situadas nos eixos de transporte coletivo, onde se prevê um maior adensamento, é extremamente reduzida.

Segundo essa análise, feita, entre outros, pelo presidente do Secovi, Basílio Jafet, em artigo publicados na Folha (23/6), as áreas de adensamento representariam apenas 4% da cidade, e essa seria a causa da expansão horizontal para a periferia, da segregação e da exclusão da população de baixa renda e até da classe média das regiões com melhor infraestrutura.

É legítimo um setor da sociedade defender que a cidade deve admitir maior verticalização. Mas isso precisa ser feito utilizando dados corretos e não de forma enviesada, apenas para se defender uma reivindicação.

Os 4% que têm sido utilizados em todos os debates sobre o tema tomam por base a área total do município (1.524 km2), quando o correto seria considerar apenas a área da Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana (704 km2), que é onde devem se concentrar os novos empreendimentos, excluindo a Macrozonas de Preservação e Recuperação Ambiental (urbana e rural).

De fato, as ZEU representam não 4%, mas 8% quando se toma como referência apenas a Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana. Mas, o mais relevante para esse debate é que as ZEUs não são a única zona onde é permitido um alto adensamento.

Seus parâmetros urbanísticos adensados, com coeficiente de aproveitamento (relação entre a área construída e a área do terreno) igual a 4 e sem limite de gabarito, ou seja, onde a altura das construções é ilimitada, também estão autorizadas nos perímetros das Operações Urbanas Consorciadas vigentes (centro, Faria Lima, Águas Espraiadas e Água Branca) e nas zonas de interesse Social, destinadas à produção de novas habitações.

No total, essas áreas de forte adensamento já representam 16% da Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana. E não é tudo, pois estão previstas novas áreas de ZEU, a medida que novas estações de metrô e corredores de ônibus à esquerda forem implantados e novas operações urbanas forem aprovadas.

Além dessas, a Zona de Centralidade, onde é permitida construção de edifícios de 16 pavimentos, com Coeficientes de Aproveitamento 2, ocupa outros 11%, enquanto que a Zona de Centralidade, com um limite de oito pavimentos, que tanto irrita o mercado, ocupa 30%.

No total, o mercado imobiliário pode fazer prédios, com maior ou menor limite de altura em 57% da cidade. Apenas 6% das áreas destinadas à estruturação urbana estão reservadas para as Zonas Exclusivamente ou Preferencialmente Residenciais, com baixa densidade e altura das edificações limitado à três pavimentos. Os 37% restantes são destinados às zonas industriais e às áreas públicas, ruas, praças e equipamentos de uso especial.

Como se vê, existe muito espaço para a atuação do mercado imobiliário, tanto que em 2020, em plena pandemia, foi batido o recorde de lançamentos de unidades habitacionais na cidade. O impacto desses empreendimentos tem sido sentido em inúmeros bairros, pois é muito pequena a porcentagem da cidade onde não são admitidos edifícios verticais (apenas 6%).

Muitos bairros apresentam características paisagísticas e urbanísticas, assim como de vida urbana e sociabilidade, que merecem ser mantidas, não enquanto arquitetura, mas como volumetria e sociabilidade.

Por exemplo, várias vilas e pequenos loteamentos ainda totalmente horizontais e com ruas estreitas, como a Chácara das Jaboticabeiras (Vila Mariana), em processo de tombamento mas que poderia ter sido destruída. Embora situada em uma Zona de Estruturação Urbana, será um ganho para a cidade se ela for preservada com suas características urbanísticas originais.

Não se trata de defender o chamado Nimbys (“not in my backyard”), mas de reconhecer que a cidade, embora deva ser dinâmica e aceitar sua transformação, precisa respeitar sua memória e identidade, elementos fundamentais para garantir um futuro melhor.

São Paulo ainda dispõe de inúmeros terrenos ou edifícios ociosos, subutilizados ou obsoletos no interior da malha urbana e, sobretudo, glebas na antiga orla ferroviária, região que, se bem planejada, pode absorver o crescimento da cidade por algumas décadas. É nessas regiões que deveria se concentrar o crescimento da cidade. Voltaremos ao tema.

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