Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade mudança climática

A transição nas cidades deve ser o ponto de partida de um novo modelo de desenvolvimento urbano

Não se trata simplesmente de recriar o Ministério das Cidades e o Conselho Nacional das Cidades, mas de criar novas estruturas institucionais

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Aceitei o desafio de integrar o Gabinete de Transição do novo governo por entender que a eleição de Lula, liderando uma frente ampla pela democracia, abre uma nova oportunidade para formulação de uma política transformadora para as cidades brasileiras.

Devido a esse compromisso, devo interromper a coluna, agradecendo a oportunidade oferecida pela Folha para apresentar aos seus leitores minha visão sobre os rumos da gestão urbana no Brasil e, particularmente, em São Paulo, objeto privilegiado das minhas pesquisas e análises.

Em colunas anteriores, como "Enfrentando a desigualdade e a emergência climática, Lula pode promover um Green New Deal urbano", "Como Lula pode aprimorar o Minha Casa Minha Vida" e "Como a ciência pode contribuir para a reconstrução e transformação das cidades brasileiras", apontei algumas diretrizes programáticas para as cidades.

Rapaz passa de bicicleta em cima da ponte da Casa Verde, com carros passando ao fundo na marginal Tietê
Os investimentos federais devem ser na implantação de faixas exclusivas de ônibus e na mobilidade ativa, com ciclovias, travessias e calçadas acessíveis - Rubens Cavallari - 24.jun.22/Folhapress

Em síntese, o governo federal deve se empenhar para promover uma mudança do modelo insustentável (social e ambientalmente) de desenvolvimento urbano brasileiro, que se consolidou no século 20.

Os objetivos centrais devem ser a redução das desigualdades urbanas e a transição ecológica e climática nas cidades.

Para isso, os programas urbanos apoiados e financiados pelo governo federal (habitação, mobilidade e saneamento) devem ser integrados e articulados com a política urbana, ambiental e econômica, para garantir o direito à cidade (água, infraestrutura, moradia, mobilidade e conectividade), ao mesmo tempo de se relacionar com o crescimento econômico e geração de emprego e renda.

Para dar bons resultados, deve ser evitada a setorização e fragmentação das intervenções, como ocorre na profusão de emendas parlamentares promovidas pelo atual governo, que consumem cerca de 66% do orçamento do Ministério de Desenvolvimento Regional, que incorporou a política urbana.

A criação de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU), para promover uma nova articulação interfederativa, orientando e integrando políticas urbanas nos territórios, com base em uma nova Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, é elemento central nessa estratégia.

O SNDU deverá apoiar e financiar intervenções urbanas considerando a capacidade dos demais entes federativos, induzindo os municípios a adotarem os instrumentos de Reforma Urbana e de planejamento inclusivo para garantir a função social da propriedade, o combate a especulação e a captura da valorização imobiliária gerada por investimentos públicos.

As intervenções deverão considerar a diversidade regional, dos biomas e da rede de municípios, assim como as questões de gênero, raça e orientação sexual. Esses objetivos estão relacionados com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e com à Nova Agenda Urbana da ONU.

Os programas habitacionais devem priorizar a baixa renda, com subsídios e financiamento acessível, como foi o Minha Casa Minha Vida. Mas tem que avançar em relação a esse programa. As soluções, materiais e técnicas utilizadas devem ser mais bem apropriadas à diversidade urbana e regional do país.

Os projetos devem ser inseridos na cidade e articulados aos objetivos dos planos diretores, para reduzir a segregação e aproximar moradia do trabalho, estudo e lazer, diminuindo os deslocamentos motorizados.

Além de unidades prontas, um leque variado de alternativas deve ser apoiado, como o retrofit e locação social nos centros urbanos, lotes urbanizados com material e assistência técnica (Athis) onde houver disponibilidade de terra e empreendimentos autogeridos onde há grupos organizados.

As terras públicas devem ser utilizadas, sobretudo, para habitação social, equipamentos e espaço público, interrompendo-se a privatização do patrimônio da União. Estados e municípios devem ser induzidos a fazer o mesmo.

A redução das desigualdades requer um robusto programa em territórios vulneráveis, como periferias, favelas e assentamentos precários, com intervenções integradas de regularização fundiária, urbanização, infraestrutura, saneamento, mobilidade, eliminação de risco, melhorias habitacionais, qualificação de áreas públicas e verdes, equipamentos sociais e assistência técnica.

A universalização do acesso à água e ao saneamento deve ser uma prioridade, o que requer investimentos públicos em assentamentos precários e na zona rural, onde se concentra o deficit. Os recursos oriundos das concessões dos serviços ao setor privado devem ser aplicados obrigatoriamente nessas áreas.

A regulação dos serviços de saneamento deve garantir tarifas compatíveis com a capacidade de pagamento da população e assegurar volume mínimo emergencial de água para todos os domicílios, em qualquer situação.

Na mobilidade, os investimentos federais devem se concentrar no transporte coletivo, concentrando-se na ampliação do transporte de média e alta capacidade eletrificado (metrô, trens e BRT).

Devem ser apoiadas a implantação de faixas exclusivas de ônibus e a mobilidade ativa, com ciclovias, travessias e calçadas acessíveis. A redução da violência no trânsito deve voltar a ser uma diretriz, depois da barbárie do último governo.

Buscar alternativas para enfrentar a crise de financiamento do transporte coletivo, para garantir a organização do sistema e melhorar a qualidade dos serviços, é premente.

A redução as emissões de CO2 na mobilidade, assim como na cadeia da construção civil, é central na descarbonização das cidades. Todos os programas financiados pelo governo federal devem adotar soluções que dialogam com a transição climática e energética.

Na gestão dos resíduos sólidos, a partir do princípio dos 5R (repensar, recusar, reduzir, reutilizar e reciclar), deve ser enfrentado o desafio de garantir a destinação adequada dos resíduos, fomentar a recuperação energética por processos biológicos e a compostagem dos orgânicos e ampliar a reciclagem e a logística reversa, incorporando os catadores no sistema de manejo. Incentivar a produção mais limpa.

Adaptar as cidades para enfrentar os eventos extremos gerados pela emergência climática é outro desafio. Para tanto, é necessário investir na drenagem urbana, em obras de contenção de encostas, melhoria habitacional e recuperação da cobertura vegetal em área de risco. Os serviços de alertas e prevenção, assim como a defesa civil e os núcleos comunitários, devem ser fortalecidos.

A transição ecológica pode promover uma alteração gradativa do modelo de desenvolvimento urbano, incorporando soluções baseadas na natureza e a geração de ambientes mais saudáveis e sustentáveis.

Nada disso será possível se não forem criadas as condições institucionais, operacionais e financeiras para implementar a política urbana proposta.

A estruturação de um ministério voltado especificamente para a política urbana e territorial, com o papel de coordenar a Política e o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, assim como fortalecer o controle social e a participação popular, é essencial.

Não se trata simplesmente de recriar o Ministério das Cidades e o Conselho Nacional das Cidades, mas de criar novas estruturas institucionais que, baseadas na experiência anterior, possam inovar na gestão urbana. É o que defenderemos na transição.

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