Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Descrição de chapéu Folhajus

A rua não é lugar para se viver

Decisão de Alexandre de Moraes é bem-vinda ao estabelecer prazo e processo para que as autoridades cumpram suas obrigações

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A invisibilidade e a indiferença são estratégias que muitas vezes empregamos, ainda que inconscientemente, para lidar com situações dramáticas, como a das populações em situação de rua. Com o tempo, vamos nos tornando moralmente insensíveis em relação aos sofrimentos desse grupo heterogêneo de pessoas que passam a viver em pobreza extrema, destituídas de moradia, de vínculos familiares, de trabalho estável, entre outras formas de privação e negligência.

A invisibilidade e a indiferença podem, no entanto, se transformar em estigmatização e hostilidade. Com o aumento das pessoas em situação de rua, esse grupo passa a ser visto cada vez mais como ameaça, gerando demandas e ações políticas, administrativas e "zeladoria" mais violentas, discriminatórias e excludentes.

Moradores de rua se protegem do frio em barracas e cobertores
Moradores de rua na av. Cruzeiro do Sul, próximo a estação Santana do Metrô de São Paulo - Rubens Cavallari - 14.jul.2023/Folhapress

O crescimento da população em situação de rua nas grandes cidades brasileiras é flagrante. De acordo com recente estudo do Ipea, houve um aumento de cerca de 211% na última década, certamente impulsionado pela crise econômica, pela pandemia, assim como pela irresponsável negligência na implementação das políticas consistentes de assistência social, pelas diversas esferas da federação.

Nesse contexto, é mais do que bem-vinda a decisão cautelar do ministro Alexandre de Moraes, na ADPF 967, proposta pelos partidos Rede e PSOL e pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), determinando que as três esferas do Estado brasileiro venham a adotar um plano de ação voltado ao devido atendimento das populações que se encontram em condições subumanas nas ruas, nos termos da Política Nacional para a População em Situação de Rua, estabelecida pelo Decreto Federal 7.053/2009 e sistematicamente ignorada nos últimos 13 anos.

Tanto a PGR (Procuradoria-Geral da República) como a AGU (Advocacia-Geral da União) afirmaram que a ADPF não deveria nem sequer ser conhecida pelo Supremo, pois levaria a uma indevida interferência do Judiciário em esferas de atuação reservadas ao Executivo e ao Legislativo. O relator da ação entendeu, no entanto, que em face dos indícios de "violação maciça de direitos humanos", apresentados na audiência pública, o Judiciário se encontrava impelido a "a intervir, a mediar, e a promover esforços na reimaginação (sic) de uma estrutura de enfrentamento dessas mazelas".

A decisão, entretanto, foi cuidadosa para não invadir o território dos demais Poderes, determinando as políticas que esses devem adotar. Apenas estabeleceu prazo e um processo para que as diversas esferas responsáveis pela solução do problema elaborem um plano de ação, a partir dos parâmetros estabelecidos pela Constituição e pela própria Política Nacional para a População em Situação de Rua. Ou seja, que cumpram suas obrigações.

Como bem destaca minha colega Luciana Ribas, da FGV Direito SP, que participou da audiência pública no Supremo, a decisão também é muito positiva pois assegurou voz aos movimentos sociais na construção do plano ação —"nada para a rua, sem a rua"—, além de incorporar três perspectivas fundamentais para a formulação do plano: "evitar a entrada nas ruas; garantir direitos enquanto o indivíduo está em situação de rua; e promover condições para saída da rua".

A decisão liminar, provocada pela incansável ação dos movimentos sociais, certamente não resolverá a questão da população em situação de rua do dia para a noite, mas terá dado uma importante contribuição se for capaz de desestabilizar a inconstitucional inércia das autoridades e desencadear uma série de medidas que de fato favoreçam essas populações; afinal, "a rua não é lugar para se viver, nem para se morrer", como dizem os que nela se encontram.

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