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É preciso repensar o papel político da filantropia no Brasil

Organizações da sociedade civil auxiliam no combate às desigualdades, mas precisam receber recursos

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Patrícia Kunrath

Doutora em Antropologia Social pela UFRGS e coordenadora de Conhecimento do Gife (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), organização que integra o Comitê Gestor da Sociedade Viva

O repasse de recursos ou doações para terceiros na filantropia (grantmaking, em inglês) é uma prática fundamental para a abordagem das complexas questões socioambientais que enfrentamos.

No Brasil, essa estratégia compete com projetos executados por investidores sociais privados. Parece ficar cada vez mais nítido que iniciativas muito ensimesmadas podem funcionar como paliativos, mas dificilmente acabarão com as desigualdades que sustentam nossa sociedade.

Em 2023, o Gife (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), em parceria com o Edge Funders Alliance, lançou a tradução do guia Funding For Real Change.

Organizações da sociedade civil auxiliam na oferta de serviços básicos à população em vulnerabilidade social no Brasil - Danilo Verpa/Folhapress

A questão central do documento é o reconhecimento das OSCs (organizações da sociedade civil) e dos movimentos sociais como agentes de vanguarda na luta contra problemas complexos. Apesar disso, o financiamento de ambos ainda é insuficiente, e a sua instabilidade financeira é constante.

Enquanto atores que constituem a sociedade civil organizada, as OSCs colaboram na oferta de serviços básicos, na preservação do meio ambiente e na promoção dos direitos humanos.

Essas frentes operam diretamente na manutenção da democracia e no combate às desigualdades. Elas são, ainda, importantes parceiras da filantropia, sendo fundamentais na execução eficaz de programas sociais. Mas, para operacionalizar esse trabalho, precisam que recursos cheguem até elas.

Das 137 organizações que responderam ao Censo Gife 2022-2023, 64% declararam apoiar OSCs. Em termos de volume de recursos, foram quase R$ 840 milhões repassados —apenas 17% dos R$ 4,8 bilhões mobilizados pelo investimento social privado em 2022. Isso indica que há muito espaço para crescimento.

Quando questionadas sobre o volume de apoio institucional feito às OSCs, ou seja, o financiamento desvinculado de um projeto específico, apenas 44 organizações responderam, somando cerca de R$ 160 milhões.

Tanto o número de participantes do censo como o valor investido indicam algumas análises: a dificuldade de precisar o volume que é direcionado para apoio institucional, a possível falta de nitidez sobre o conceito, além da reduzida difusão de financiamentos livres e de longo prazo. Estes poderiam apoiar a resolução de problemas de sustentabilidade financeira de organizações e agentes.

Acreditando que a prática filantrópica pode ser cada vez mais relevante para a abordagem de mudanças sistêmicas, o Funding For Real Change apresenta aceleradores e barreiras para o financiamento flexível.

Considerando a proeminência da execução de projetos próprios, as relações com organizações e movimentos ainda é incipiente para que se possam difundir as práticas de "alinhamento de valores", "feedback dos parceiros" e "lente de equidade na redistribuição de recursos e poder" apontadas no estudo.

Todavia, ao tratar do "contexto de crise" e da "influência do grupo por pares", percebe-se que estes, de fato, já operam —embora em menor escala— no campo da filantropia institucionalizada. No Censo Gife 2020, vemos que as práticas de doações se flexibilizaram com a Covid-19.

Trabalhamos em frentes múltiplas para apoiar a filantropia de forma a desconstruir as estruturas de desigualdade. Enxergamos um setor com potencial, mas que ainda tem muito a desenvolver em sua contribuição ao país.

O estabelecimento de relações é complexo e requer atuação de longo prazo. Mas é nessa chave, de uma filantropia baseada na confiança entre as partes que colaboram, que se vislumbram outros futuros e mundos possíveis.

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