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Um programa de conservação que completa 40 anos

Acaso e muito estudo levaram cientistas a salvar mico-leão preto da extinção, em projeto que viria a se tornar o IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas)

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Suzana Pádua

Doutora em desenvolvimento sustentável pela UnB, é presidente do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) e vencedora do Prêmio Empreendedor Social 2009

Claudio Padua

PhD em biologia da conservação, fundador do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) e vencedor do Prêmio Empreendedor Social 2009

Gabriela Rezende

Bióloga, mestra pela Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas/IPÊ), doutora pela Unesp e coordenadora do Programa de Conservação do Mico-Leão Preto do IPÊ

São raros os projetos de conservação de espécies ameaçadas que completam 40 anos. Esse é o caso do mico-leão preto (Leontopithecus chrysopygus), pequeno macaquinho que vivia apenas em uma região do oeste de São Paulo, entre os rios Tietê e Paranapanema.

Seu habitat foi tão desmatado que, por quase 70 anos, foi considerado extinto. Por sorte do destino, o mico foi redescoberto na natureza por um incansável cientista, Adelmar Coimbra Filho, que levou seu jovem seguidor, Claudio Padua, numa missão de averiguar o que precisava ser feito para salvar a espécie da extinção.

De fato, por muitos anos, o mico-leão preto permaneceu entre as dez espécies mais ameaçadas do mundo, estando na lista vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais).

Mico-leão-preto macho carrega filhote de 23 dias nas costas no Parque Ecológico de São Carlos (SP)
Mico-leão-preto macho carrega filhote de 23 dias nas costas no Parque Ecológico de São Carlos (SP) - Márcia Ribeiro - 23.jan.2013/Folhapress

Claudio, ainda jovem, havia mudado o rumo de sua vida para se tornar um conservacionista. Não à toa, o mico passou a ser sua bandeira, tornando-se tema de seu mestrado e doutorado. Isso significava acordar às 4h30 para seguir os micos dentro das matas e compreender como eram seus hábitos e o que necessitavam para continuar vivos e procriando.

Fora das matas e sobre elas, as pressões por um desenvolvimento insustentável continuavam, como é comum em todo o Brasil.

A população local não valorizava a natureza e desconhecia o mico e sua raridade como espécie. Suzana começou, então, um programa de educação ambiental com o objetivo de encantar crianças e adultos, tendo o mico como principal foco, mas também ressaltando outras espécies que ainda se encontravam nas matas que sobreviveram ao desmatamento das décadas de 1950 e 1960.

Foi assim que Claudio, Suzana e um pequeno time de estudantes fundaram, em 1992, o IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), organização sem fins lucrativos cujo objetivo era trabalhar pela biodiversidade brasileira. Aos poucos a equipe percebeu a importância de se levar em conta aspectos que ocorriam ao redor do mico e suas matas.

A região do Pontal do Paranapanema, como é conhecida, passou a ser palco de assentamentos rurais, que se intensificaram na década de 1990.

O que a princípio parecia imensa ameaça para a proteção ambiental aos poucos se tornou oportunidade para muitos assentados, que se envolveram em um processo de "esverdeamento" regional. Desenvolveram viveiros de mudas de árvores nativas e passaram a plantar florestas. Esse é um processo educacional que o IPÊ desenvolve, que visa benefícios sociais, ambientais e econômicos, em que todos ganham.

Nesses 40 anos, o projeto do mico-leão preto vem servindo como laboratório vivo de estudos, aprendizados e capacitação de equipes.

Já na terceira geração de coordenação, a jovem doutora Gabriela Rezende também inova ao colocar caixas de madeira que servem de dormitórios para os micos nos corredores de matas plantados. O intuito é ligar fragmentos ainda existentes na região e onde populações da espécie vivem.

Os micos renderam frutos para além do aumento populacional e de conquistarem defensores para sua proteção. Por conta dessa espécie, 6 milhões de árvores já foram plantadas e mais de 400 pessoas estão envolvidas hoje com o plantio de áreas degradadas.

O casal Claudio Padua e Suzana Padua, fundadores do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) e vencedores do Prêmio Empreendedor Social em 2009
O casal Claudio Padua e Suzana Padua, fundadores do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) e vencedores do Prêmio Empreendedor Social em 2009 - Eduardo Anizelli - 26.out.2011/Folhapress/Folhapress

No que tange à capacitação, uma geração de jovens já passou pelo projeto aprendendo técnicas de campo que raramente são ensinadas nos meios acadêmicos formais. Uma nova área foi criada, a Estação Ecológica Mico-Leão Preto, em 2002, que agora tem fortes chances de ser ampliada.

A transformação de toda uma região aconteceu por conta de um mico e de jovens —agora nem tanto—, que descobriram seus talentos e colocaram sonhos em prática. Muitos ganharam prêmios nacionais e internacionais, como o Prêmio Whitley, considerado o "Oscar" da conservação (que cinco conservacionistas do IPÊ já receberam) e inúmeros outros, o que confere credibilidade ao programa.

É fácil trabalhar conservação no Brasil? Claro que não. Nadamos contra a maré do "progresso" a qualquer preço, dos desafios de escassez de recursos, da volúpia por terra e por desmatamento.

Mas há a gratificação de ver o mico em melhor condição de sobrevivência a longo prazo, assentados trabalhando dignamente plantando florestas, jovens que aprendem a trabalhar conservação no campo, além do orgulho geral pelas áreas que protegem a biodiversidade ainda existentes na região.

Esses 40 anos valeram a pena. Que venham muitos mais.

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