O Brasil não chegou a parar nestas mais de duas semanas de Copa da Rússia, mas tudo ficou em banho-maria. Poucas notícias se sobressaíram à cobertura esportiva, que dominou a capa do jornal, nas versões impressa e digital.
Mesmo com menos ruas enfeitadas de verde e amarelo e com um declarado desinteresse pela Copa nunca antes visto —segundo o Datafolha, 53% dos brasileiros afirmaram não ter nenhum interesse pelo Mundial—, a audiência das TVs bateu recorde, com 8 de cada 10 televisores ligados na Copa. Nas redes sociais e sites, os jogos e seus desdobramentos estiveram entre os assuntos com maior atenção dos usuários.
Entre 14 e 29 de junho, 15% das mensagens enviadas ao Painel do Leitor faziam menção à Copa. Foi o tema mais comentado, superando, por exemplo, as que mencionavam o STF e as que se referiam ao ex-presidente Lula (ambas representaram 9% do total). Mas houve leitora que reclamou de “ênfase exagerada”.
Considero a opção editorial correta e coerente, mas que subitamente se alterou assim que acabou a fase classificatória. Equivocadamente, a primeira página de sexta-feira (29) não trazia nenhuma imagem da competição. No sábado (30), com jogos decisivos envolvendo alguns dos principais craques mundiais, a Copa foi jogada para a parte inferior da capa.
Se no campo de futebol não faltaram surpresas e resultados inesperados, no noticiário o empate predominou. O lado positivo desse equilíbrio é que a Folha não caiu no ufanismo, nem tampouco exagerou em seu pessimismo.
Neste ano, dentro do campo a novidade é o árbitro de vídeo, espécie de ombudsman do árbitro de campo. O VAR é bem-vindo ao time dos críticos.
Fora de campo, um pequeno bom exemplo do que se deve buscar é a história do garoto de uma favela do Rio que, sem dinheiro para comprar o uniforme oficial, assistiu aos jogos com uma camisa improvisada da seleção, na qual o nome de Philippe Coutinho aparece escrito à mão. Usuários das redes sociais se emocionaram, um ator o presenteou com a camisa oficial da seleção e o próprio Coutinho mandou-lhe mensagem de vídeo, prometendo encontro para breve. A Folha desprezou a história.
O que mais gerou polêmica foram as manifestações machistas e os casos de assédio entre torcedores e até jornalistas. Uma reprimenda dura da repórter brasileira Júlia Guimarães, do SporTV, a um assediador que tentou beijá-la à força —“Eu não permito que faça isso. Nunca faça isso a uma mulher. Respeito!”— ganhou as páginas da imprensa internacional. O comportamento de torcedores brasileiros ao assediarem uma russa tornou-se vergonha nacional.
A Folha manteve o padrão de alto nível de colunistas e desta vez buscou oxigenar as páginas ampliando a participação feminina. No caderno especial e fora dele, o leitor encontrou muitos textos de opinião de qualidade sobre a Copa.
O jornal esqueceu o humor que imprimiu nas páginas de esporte das últimas Copas, deixando-o restrito aos chargistas e aos ótimos Ricardo Araújo Pereira (em Esporte) e de Renato Terra (na Ilustrada).
Fui bastante crítica à cobertura da Olimpíada do Rio. Se em alguns aspectos poderia repetir pontos inteiros apresentados em agosto de 2016, é justo dizer que houve avanços, notadamente no uso de jornalismo de dados.
A Copa de 2018 tem sido esquadrinhada em uma infinidade de dados, muitos com apresentação sofisticada. As marcas de calor que indicam a movimentação dos times em campo viraram mania. São, de fato, maneira clara e visualmente agradável de apoiar uma boa análise do jogo.
Na cobertura digital, entretanto, pouco se consegue avançar, apesar do aumento considerável da valorização dos números e das incontáveis novas possibilidades de apresentação visual das análises táticas.
Qual será o legado jornalístico da Copa da Rússia? Com muito texto e pouca criatividade na edição, não houve furo relevante, reportagem surpreendente, história inesquecível ou sacada genial.
Para citar dois exemplos de Copas passadas: em 1994, a Folha mostrou que a delegação brasileira tetracampeã do mundo voltou para casa com 14 toneladas de bagagem, no que foi batizado de “voo da muamba”; em 1998, a reconstrução do apagão de Ronaldo na final obrigou a esforços investigativos, publicados com bastante sucesso.
É lamentável constatar que a primeira Copa depois de prisões e afastamentos de tantos cartolas do futebol mundial não tenha sido alvo de nenhuma reportagem investigativa aprofundada. O negócio do futebol —com suas entranhas nebulosas e podres— corre solto sem merecer investimento mais profundo e prioritário.
O jogo ainda não está jogado. A segunda e mais decisiva metade da Copa acabou de começar. Ainda dá tempo de a Folha correr atrás de gols.
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