Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Trump e a doidice inofensiva

Investidores deveriam procurar saber como falhas de caráter do presidente conduzirão a políticas econômicas destrutivas

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Os acontecimentos das últimas semanas destruíram qualquer credibilidade que restasse a Donald Trump e sua política econômica. E os investidores estão comemorando. A esta altura, qualquer sinal de que os tuítes de Trump não passam de som e fúria, mas nada significam, na verdade representa uma boa notícia.

Vamos estudar o que aconteceu. Primeiro, depois de exercer forte pressão para obter um novo acordo comercial com o Canadá e o México –um acordo que na verdade pouco mudava o tratado existente, mas ao qual poderia associar seu nome–, Trump basicamente destruiu sua própria posição ao ameaçar impor novas tarifas ao México a não ser que o governo mexicano fizesse alguma coisa sobre questões de fronteira que nada têm a ver com o comércio.

Isso obviamente enfraquece se não destrói a capacidade de Trump para negociar futuros acordos, sobre o comércio ou qualquer outra coisa. Afinal, qual seria o ponto de fazer acordos com um governo que recua de suas promessas sempre que isso lhe convém?

Mas então, mal passada uma semana, Trump cancelou a coisa toda, em troca de uma declaração pelo México de que este faria coisas que havia concordado em fazer meses atrás.

Não sabemos exatamente o que levou Trump a recuar, mas um bom palpite é que os alertas da indústria americana –horrorizada com a possibilidade de que os chiliques tarifários de Trump desordenem suas cadeias de suprimento– tenham por fim chegado ao Gabinete Oval, ou à pista de golfe, ou onde quer que seja que eles enfim conseguiram que o presidente os ouvisse.

É verdade que não ter uma guerra comercial destrutiva é algo de positivo. No entanto, o que o planeta aprendeu com o recuo de Trump é que suas ameaças são tão vazias quanto suas promessas.

Um aparte: os acontecimentos recentes certamente reduziram a chance de que o Congresso venha a aprovar o USMCA, o substituto negociado por Trump para o Nafta (Acordo Norte-Americano de Livre-Comércio).

Os democratas da Câmara dos Deputados já relutavam em aprovar projetos de lei que dariam a Trump algo sobre o que se vangloriar, a não ser que obtenham concessões sérias sobre temas que importam a eles, como os direitos dos trabalhadores.

Trump, obviamente, ficou zangado com as reportagens que descreviam corretamente o seu acordo com o México sobre imigrantes como um "hambúrguer de nada" (ou, quem sabe, um "taco de nada"?), porque a descrição é perfeita.

Assim, além de protestar contra as "notícias falsas", ele propôs uma nova razão para se vangloriar: "O MÉXICO CONCORDOU EM COMEÇAR IMEDIATAMENTE A COMPRAR GRANDES QUANTIDADES DE PRODUTOS AGRÍCOLAS DE NOSSOS GRANDES AGRICULTORES PATRIOTAS!"

A afirmação tem diversas peculiaridades, ainda que todos saibam que O USO DE MAIÚSCULAS EM AFIRMAÇÕES as torna mais persuasivas.

Como muitos tuítes de Trump, a frase parece uma tradução canhestra de um original russo ("grandes agricultores patriotas?"). O mais importante, porém, é que não havia menção à agricultura no acordo oficial. E, primordialmente, isso não é algo que o governo mexicano possa fazer, mesmo que desejasse fazê-lo.

Alguns leitores talvez recordem que há alguns meses a China tentou evitar um conflito comercial com os Estados Unidos ao prometer a compra de 10 milhões de toneladas de soja americana. O truque não funcionou, mas ao menos era viável: empresas estatais respondem por boa parte da economia chinesa, e Pequim pode ordenar que elas comprem coisas. O México, porém, é uma economia de mercado, na qual o setor privado, e não o governo, decide quanto milho produzido no Iowa o país importará.

Será que Trump confundiu México e China? Ou se esqueceu de que o acordo com a China que estava alardeando meses atrás na verdade fracassou? Quem pode responder?

O que fica claro, porém, é que quanto à política comercial –a causa que ele escolheu transformar em bandeira–, o presidente dos Estados Unidos está seriamente desorientado. E seria de imaginar que isso preocupe os investidores.

Mas, como eu disse, os mercados parecem estar celebrando. Os mercados de ações estão em alta, e as taxas de juros de longo prazo –um barômetro melhor sobre a visão dos investidores quanto às perspectivas econômicas– deixaram para trás sua baixa recente. O que está acontecendo?

A resposta, eu sugeriria, é que os mercados financeiros estão desconsiderando os rompantes de Trump: deixaram de tratar as provas de que o presidente não está qualificado para seu posto como novidade.

Sim, ele é profundamente ignorante quanto a políticas públicas. Sim, os seus tuítes rancorosos nos lembram constantemente de sua egomania e insegurança. Mas tudo isso já sabemos há um bom tempo; a personalidade de Trump já foi incluída na conta, para todos os efeitos práticos.

O que os investidores deveriam procurar saber, em lugar disso, é em que medida as falhas de caráter do presidente conduzirão a políticas econômicas destrutivas. Em termos legais, Trump enfrenta pouquíssimas restrições: a lei comercial dos Estados Unidos dá enorme poder ao presidente para impor tarifas a seu critério, e, porque temos um Senado dócil, existem muitas outras coisas que ele poderia fazer invocando a segurança nacional.

No entanto, pelo menos por enquanto os mercados parecem estar apostando ruidosamente que Trump tuíta alto, mas carrega uma bengala pequena.

É uma boa aposta? Tenho minhas dúvidas.

A guerra comercial com a China parece continuar na agenda, e a Europa pode ser o próximo inimigo. Em termos mais gerais, quando o presidente busca atrair a atenção, ignorar suas travessuras pode provocá-lo a adotar comportamento ainda mais extremo. No entanto, por enquanto os investidores, para todos os efeitos, escolheram tratar Trump como maluco porém inofensivo. Os Estados Unidos são mesmo grandes, não?
 
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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