Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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O complô de Trump contra o sistema de saúde continua

Sistema de saúde será votado em novembro, mas não da maneira que os progressistas ardorosos imaginam

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Os pré-candidatos democratas à presidência dedicaram muito tempo a discutir o chamado “Medicare para Todos”, e alguns partidários de Bernie Sanders afirmam que qualquer político que não exija a implementação imediata de um sistema de saúde de pagador único é servo das grandes empresas, ou algo assim.

Mas a realidade é que, não importa que méritos a ideia tenha, um sistema de cobertura universal de saúde fornecido pelo governo não será adotado, pelo menos não no futuro previsível.

Afirmo isso porque, mesmo que os democratas conquistem a Casa Branca e a maioria no Senado, os votos necessários a eliminar os planos de saúde privados não existiriam, e tampouco o apoio público esmagador que seria preciso para mudar o cálculo. Na prática, qualquer dos candidatos democratas –mesmo Sanders–, caso vitorioso terá de ampliar e melhorar o Obamacare.

Por outro lado, se Donald Trump vencer, ele provavelmente encontrará uma maneira de acabar com o Obamacare, privando dezenas de milhões de americanos de sua cobertura de saúde.

O presidente Donald Trump durante hino nacional em um jogo de futebol americano em Nova Orleans - Saul Loeb/AFP

Vamos falar sobre o Obamacare, por um minuto. Existe uma espécie de aliança perversa entre os republicanos e alguns progressistas, e os dois grupos estão determinados, mesmo que por motivos diferentes, a encarar  a Lei de Acesso à Saúde como fracasso.

Essas avaliações pessimistas são facilitadas pelo fato de que a Lei de Acesso à Saúde deixou aos estados muita da responsabilidade por sua implementação, e o desempenho nacional do sistema foi prejudicado pelos estados que fizeram todo o possível para sabotar a reforma da saúde.

Mas observe os estados que tentaram fazer com que a lei funcionasse, e o que encontrará é um imenso sucesso de política pública, ainda que incompleto. Um exemplo é a Califórnia. Em 2010, antes que a lei de reforma da saúde entrasse em vigor, 21% dos californianos não idosos estavam desprovidos de planos de saúde, uma média superior à nacional.

Em 2016, a porcentagem de pessoas desprovidas de seguro-saúde havia caído a 8%. E os californianos com problemas de saúde pré-existentes registraram imensa melhora em sua saúde e em sua segurança financeira.

Um percentual de 8% de pessoas desprovidas de cobertura de saúde ainda é alto demais, e mesmo as pessoas que dispõem de planos de saúde ainda enfrentam custos altos. Mas melhoras relativamente pequenas na lei, especialmente um aumento modesto nos subsídios ao custo de seguro-saúde, poderiam melhorar significativamente tanto a qualidade quanto a dimensão da cobertura.

Será que apontar a possibilidade de uma melhora gradativa significa abrir mão da possibilidade de um sistema de saúde verdadeiramente universal? Não. Devemos de fato tentar fazer de algo mais ambicioso, como o Medicare para Todos, um objetivo de longo prazo. Mas esse objetivo não deveria impedir que busquemos medidas capazes de beneficiar imediatamente milhões de americanos, e de salvar milhares de vidas.

E enquanto debatemos o sistema de saúde ideal, não devemos esquecer que Trump e seus aliados continuam determinados a desfazer o progresso que conquistamos.

É verdade que as repetidas tentativas republicanas de destruir a Lei de Acesso à Saúde até agora fracassaram. Em 2012, a Suprema Corte rejeitou a teoria de que a lei era inconstitucional em sua íntegra.

Em 2017, os republicanos não conseguiram por pouco revogar o Obamacare no Congresso. E diversos esforços mais estreitos para solapar a reforma da saúde e colocar os mercados de planos de saúde em uma “espiral da morte” não conseguiram os resultados que eles esperavam. Os mercados parecem ter se estabilizado e, um a um, os estados que inicialmente rejeitaram a expansão do programa de saúde Medicaid estão mudando de ideia. Mas as pessoas interessadas em demolir o sistema de saúde dos americanos não desistiram.

A mais recente tentativa é um processo que afirma que o corte de impostos aprovado em 2017, que reduziu a zero a penalidade imposta a quem não tem planos de saúde, de alguma forma tornou toda a Lei de Acesso à Saúde inconstitucional. É uma interpretação ridícula, tanto em termos de substância - a lei subitamente seria constitucional se a penalidade fosse de um centavo de dólar? – quanto porque está claro que não era essa a intenção dos legisladores.

Mas o governo Trump agora é um dos proponentes do processo, e um juiz partidários dos republicanos de fato decidiu que a Lei de Acesso à Saúde deveria ser completamente invalidada.

O caso claramente está a caminho da Suprema Corte. Mas Trump não quer que ele seja julgado antes da eleição.

Por que Trump prefere deixar o processo pendente? Em parte porque seu lado provavelmente perderia. Como eu disse, o processo é ridículo, ainda que, dado o partidarismo dos juízes apontados pelos republicanos, existe uma possibilidade de que ele tenha sucesso.

Para além disso, no entanto, a estratégia política de Trump com relação ao sistema de saúde é a de mentir descaradamente sobre o que ele fez e está tentando fazer. Na segunda-feira, ele fez a gritantemente desonesta afirmação de que é “a pessoa que salvou os pacientes com problemas de saúde pré-existentes” – gritantemente desonesta porque ele tentou a cada passo remover as proteções aos pacientes com problemas de saúde pré-existentes estabelecidas pela Lei de Acesso à Saúde.

E embora Trump, que mente constantemente, muitas vezes pareça pagar pouco por suas mentiras, esta – que afeta as vidas de milhões de eleitores –seria exposta de maneira muito clara caso o processo fosse julgado pela Suprema Corte. Ele quer privar os cidadãos de seus serviços de saúde, mas não quer eles saibam disso até depois da eleição.

Assim, essa é a verdadeira questão quanto ao sistema de saúde, este ano. Teremos cobertura expandida sob um presidente democrata – provavelmente não faz muita diferença quem seja – ou teremos dezenas de milhões de americanos que passarão a não contar com planos de saúde, sob Trump?

Tradução de Paulo Migliacci

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