Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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A política climática está pior do que você pensa

Republicanos (e Joe Manchin) são apenas profundamente hostis à energia limpa

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É preciso ser intencionalmente cego –infelizmente, uma doença bastante comum entre os políticos– para não ver que o aquecimento global deixou de ser uma ameaça discutível que nos atingirá daqui a alguns anos. É a nossa realidade atual, e se os cientistas climáticos –cujos alertas foram amplamente confirmados– estiverem certos, vai ficar muito pior.

E Joe Manchin acabou de impedir o que pode ter sido a última chance do governo Biden de fazer alguma coisa –qualquer uma– significativa sobre a mudança climática.

Não quero falar muito sobre Manchin. Daqui a alguns meses ele provavelmente será irrelevante, de uma forma ou de outra: as chances são de que os republicanos dominem o Senado ou que os democratas, ajudados pelo horror de muitos candidatos republicanos, ganhem algumas cadeiras. E ele não teria importância, em primeiro lugar, se não fosse pela doença que infectou o corpo político dos Estados Unidos.

Bombeiro em meio a incêndio florestal em Louchats, no sudoeste da França - Thibaud Moritz - 17.jul.22/AFP

Ainda assim, se é que vale algo, minha opinião sobre Manchin é ao mesmo tempo menos e mais cínica do que você costuma ouvir.

Sim, ele representa um estado que ainda se considera a terra do carvão [Virgínia Ocidental], embora a mineração seja hoje uma parte trivial de sua economia, ofuscada por empregos em saúde e assistência social –com grande parte dos últimos pagos pelo governo federal. Sim, ele recebe mais contribuições políticas do setor de energia do que qualquer outro membro do Congresso. Sim, ele tem um grande conflito de interesses financeiros decorrente de sua família possuir uma empresa de carvão.

No entanto, meu palpite é que seu ato tem tanto a ver com vaidade quanto com dinheiro (e nada a ver com inflação). Seu ato, afinal, o manteve no centro das atenções políticas mês após mês. E se você não acredita que grandes acontecimentos podem ser moldados, e grandes desastres causados, por pura mesquinhez pessoal, tudo o que posso dizer é que você provavelmente não leu muita história.

Mas nada disso teria importância se os republicanos não estivessem unidos na oposição a qualquer ação para limitar o aquecimento global. Essa oposição só ficou mais arraigada à medida que as evidências de uma catástrofe iminente aumentaram –e o provável custo financeiro de uma ação efetiva diminuiu.

Vamos falar sobre a economia política das políticas climáticas.

Há muito tempo é dolorosamente óbvio que os eleitores relutam em aceitar até mesmo pequenos custos em curto prazo no interesse de evitar desastres de longo prazo. Isso é deprimente, mas é um fato da vida que provavelmente nenhuma quantidade de discursos conseguirá mudar. É por isso que há muito tempo sou cético em relação à opinião, amplamente defendida por economistas, de que um imposto sobre o carbono –que coloca um preço nas emissões de gases de efeito estufa– deve ser a base da política climática. É verdade que os impostos sobre emissões são a solução básica para a poluição, mas, sendo realista, eles simplesmente não vão existir nos Estados Unidos.

A boa notícia é que o espetacular progresso tecnológico em energia renovável pode ser o alicerce para uma estratégia política alternativa, baseada em cenouras em vez de varas. A ideia –subjacente ao plano Reconstruir Melhor de Joe Biden– era contar não com impostos, mas com subsídios e investimentos públicos, para incentivar a transição para a energia limpa. Dessa forma, a ação climática poderia ser enquadrada não como sacrifício, mas como oportunidade, uma maneira de criar novos empregos envoltos em um programa mais amplo de investimento público muito necessário.

A teoria, que eu ingenuamente subscrevo, era que tal estratégia, embora pudesse ser menos eficiente do que uma centrada em impostos sobre o carbono, seria muito mais fácil de vender à população americana, e que pelo menos alguns políticos republicanos estariam dispostos a aprovar políticas que prometiam recompensas concretas para os trabalhadores, empreiteiros e assim por diante, sem impor novos encargos a seus eleitores.

Mas os republicanos –e, claro, Manchin– não se comoveram. Eu não acho que eles foram motivados apenas pelo desejo de ver Biden falhar. Eles são apenas profundamente hostis à energia limpa.

Há um paralelo óbvio entre a política de energia verde e a política da Covid-19. Muitas pessoas se irritaram com as restrições impostas para limitar a propagação da pandemia; até mesmo a exigência de usar máscaras envolve certa inconveniência. Mas a vacinação parecia oferecer uma solução vantajosa para todos, permitindo que os americanos protegessem a si mesmos e aos outros. Quem poderia objetar?

A resposta foi: grande parte do Partido Republicano. A vacinação tornou-se e continua sendo uma questão intensamente partidária, com consequências mortais: as taxas de mortalidade desde que as vacinas se tornaram amplamente disponíveis têm sido muito mais altas em áreas de maioria republicana do que em áreas democratas.

O fato é que um dos dois maiores partidos políticos dos Estados Unidos parece se opor visceralmente a qualquer política que pareça servir ao bem público. O esmagador consenso científico em favor de tais políticas não ajuda –na verdade prejudica, porque o Partido Republicano moderno é hostil à ciência e aos cientistas.

E essa hostilidade, em vez das peculiaridades pessoais de um senador de um pequeno estado, é a razão fundamental pela qual parecemos não fazer nada enquanto o planeta queima.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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