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Forças conservadoras evangélicas tentam apagar atuação negra nas igrejas

Instituições historicamente brancas buscam se colocar como única voz e autoridade dentro das congregações

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Jackson Augusto

É batista, integrante da coordenação nacional do Movimento Negro Evangélico, membro do Miqueias Jovem América Latina, criador de conteúdo no canal Afrocrente e articulador nacional do PerifaConnection

O conservadorismo e o seu projeto de embranquecimento dentro das igrejas evangélicas brasileiras está a todo vapor. Quem acompanha a discussão racial no campo protestante precisa entender que há uma disputa sobre quem tem legitimidade para falar de racismo e negritude para os evangélicos.

Os brancos fundamentalistas finalmente entenderam que não é mais possível deixar de discutir esse tema. Agora, é preciso enfrentar essa discussão, entendendo que ela não é fruto de uma nova onda dentro da igreja, nem de esforços de negros conservadores utilizados como tokens (incluídos de forma superficial ou simbólica para evitar críticas).

Participantes do Encontro do Movimento Negro Evangélico de Pernambuco, em Recife
Participantes do Encontro do Movimento Negro Evangélico de Pernambuco, em Recife - Lucas Vieira

Todas as vezes que o movimento negro brasileiro se levantou com grandes mudanças e conquistas na história, houve grandes reverberações no protestantismo. Ouso dizer que os marcos teológicos importantes que aconteceram nesse processo foram invisibilizados pelo que chamo de "racismo teológico" por parte das lideranças brancas evangélicas.

Em 1978 houve o surgimento do MNU (Movimento Negro Unificado), a maior e mais importante iniciativa da história do movimento negro no século 20.

Logo depois, em 1982 o pastor metodista Antônio Olímpio de Santana escreveu um texto histórico, que se encontra até hoje no Plano Nacional de Educação da Igreja Metodista do Brasil, intitulado "Clamor de um pastor metodista negro aos metodistas brasileiros e latino-americanos de todas as raças".

Já em 1985, aconteceu o Primeiro Encontro Nacional do Negro Metodista, com presença de nomes como Lélia Gonzalez, Benedita da Silva, Hélio Santos e mais de 40 lideranças negras evangélicas.

A partir deste encontro, surge a Pastoral Nacional de Combate ao Racismo da Igreja Metodista, a primeira iniciativa mais estruturada e organizada de negros evangélicos no país. Em 1986, surge a Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo.

Todos esses eventos estão conectados. O pastor Olímpio de Santana foi o grande nome de todas essas iniciativas, tendo sido filiado ao MNU. Lélia, fundadora do MNU e uma das maiores ativistas da história do movimento negro, contribuiu para a discussão racial dentro das igrejas.

De 1988 até a década de 1990, com o contexto político efervescente devido à Assembleia Constituinte, tivemos um grande movimento de surgimento de instituições negras no país, como Geledés, Unegro e Ceert (Centro de Estudos das Relações Raciais e Trabalho), até chegar em 1995, com a Primeira Marcha Zumbi.

Surgiram ainda organizações negras evangélicas como a Agar (Sociedade Teológica de Mulheres Negras), o Coral de Resistência de Negros Evangélicos, o Centro Atabaque - Cultura Negra e Teologia, o Fórum das Mulheres Cristãs Negras de São Paulo, a Sociedade Cultural Missões Quilombo, o Ministério Azusa, o Grupo Evangélico Afro Brasileiro e o Negros Evangélicos de Londrina.

Por esse motivo, causa estranhamento que estudiosos do protestantismo tratem como novidade uma discussão com décadas de história, desconsiderando o apagamento desse histórico por meio do racismo.

Essas ações não levam em conta que a ala conservadora negra está vinculada a um grupo teológico branco que há anos silencia pastores e teólogos que seguem a tradição de um protestantismo negro dentro das igrejas

Herdamos uma igreja evangélica com uma teologia hegemônica euro-americana, em grande parte formada pela liderança pastoral de homens brancos que sistematicamente tentam demonizar qualquer iniciativa e discussão teológica a partir da ótica da experiência dos negros.

Por isso é contraditório dizer que o conservadorismo protestante, enquanto força política, poderia liderar uma ofensiva antirracista dentro das igrejas brasileiras. Afinal, essa força, que se mostra neocalvinista e reformada, constantemente critica o movimento negro brasileiro, deslegitima sua construção e até ataca seus intelectuais, ativistas e organizações.

As famílias negras evangélicas pobres e faveladas nunca negaram lugar à mesa para progressistas como o pastor Olímpio de Santana, ou os pastores metodistas Kaká Omowalê e Rás André Guimarães, que atuam dentro do sistema socioeducativo, ou ainda o pastor batista Bruno Moreira, que tem um trabalho na comunidade do Alto da Mina em Olinda.

Quem vê o avanço do protestantismo negro no Brasil como perigo, quem não quer escutar teólogos negros e quem expulsa ativistas do movimento negro das igrejas são as instituições brasileiras historicamente brancas e conservadoras. Elas querem se colocar como a única voz e autoridade, quando se trata da discussão racial dentro das igrejas.

Mas é bom sempre lembrar: nós, negros evangélicos, não iremos parar e não aceitaremos silenciamentos. Não existe volta quando se experimenta a liberdade.

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