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Lei 10.639 completa 21 anos reafirmando-se como marco na luta da população negra

Ensino da história afro-brasileira impede que período escravocrata seja visto como único fato histórico a ser lembrado

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Hallana de Carvalho

Mestra e doutoranda em sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco, pesquisadora em relações raciais no Brasil, ações afirmativas e desigualdade de oportunidades educacionais e integrante do Afronte Coletivo

Lilica Santos

É cearense e artista multilinguagem, Cientista Social pela Universidade Federal do Ceará. Gestora Cultural do Festival Negruras e do Soulest - Espaço Criativo.

A Lei 10.639/2003, também conhecida como Lei do Ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira e Africana, completa 21 anos em janeiro de 2024. Sancionada pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a medida estabelece que as instituições de ensino, tanto públicas quanto privadas, devem obrigatoriamente incluir em seus currículos o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana durante toda a formação escolar.

Estudantes da escola municipal Ruben Bento Alves, de Caxias do Sul (RS), onde são realizadas atividades escolares que envolvem temas de relações étnico-raciais - Carlos Macedo - 6 out.2022/Folhapress

Essa lei representa uma importante conquista para a população negra, sobretudo por representar uma ruptura com um projeto político pedagógico que por séculos invisibiliza as contribuições da população africana na formação cultural, econômica e social do Brasil.

A implementação desta lei possibilita promover a luta contra o racismo através de práticas pedagógicas que incidem diretamente na formação da consciência racial, autoestima e valorização do povo negro nas diversas áreas de atuação na sociedade, ao passo que aponta caminhos para a promoção da igualdade racial.

Para sua efetivação, na prática, a lei demanda a inclusão da temática em todas as disciplinas da grade curricular, além da formação de gestores e professores na educação para as relações étnico-raciais. No entanto, ainda há muito a ser feito para que a medida seja implementada de forma efetiva nas escolas do Brasil. Os principais desafios dizem respeito à formação inicial e continuada de professores e à escassez de materiais didáticos e pedagógicos adequados.

A maioria dos livros e outros recursos disponibilizados ainda possuem o conteúdo com base majoritariamente eurocêntrica, que estigmatiza tanto a população africana quanto os negros na diáspora, impondo o lugar de subalternidade e desprestígio social, negando uma história de realeza e o protagonismo nas lutas pela retomada da liberdade frente a colonização e o imperialismo. Diante dessas dinâmicas, se nega o direito à memória aos estudantes, sobretudo aos estudantes negros.

Essas reflexões sobre o direito à memória partem de uma conversa extremamente sensível e potente com Edson Cardoso, militante do movimento negro, jornalista e escritor. Ele nos falou sobre a importância da Lei 10.639/2003 como uma forma de honrar a dignidade e a memória de nossos ancestrais, que contribuíram com suor e sangue para construção desse país. E mais do que isso, essa lei possibilita que tomemos a África como ponto de partida da nossa identidade originária, que foi sequestrada pela colonização.

Como educadoras antirracistas, sabemos também da urgência de começarmos a abordar as relações étnico-raciais no Brasil sem tomar o período colonial-escravocrata como ponto de partida e único fato histórico a ser memorado. Obviamente, não se pode negligenciar o estudo acerca desses processos, diante das suas implicações diretas na maioria das mazelas que afetam a população negra até os dias atuais.

No entanto, diferente de nós, queremos que crianças e jovens negros e negras tenham o direito de construir sua autoimagem, autoestima e formas de identificação individual e coletiva que não comecem pela perspectiva da dor e da perda. Além disso, também é de suma importância que haja uma descolonização do ensino da história e geografia africana nas escolas. Não é à toa que muitas pessoas acham que ao falarmos de África estamos nos referindo a um país, e não a um continente.

Completar duas décadas da Lei 10.639/2003, torna-se um marco na história de lutas, resistências e conquistas dos movimentos negros do Brasil, pois encara o racismo de frente, por compreender e evidenciar que o racismo na sua construção estrutural, se fortaleceu a partir do apagamento sistêmico dos saberes, das práticas socioculturais, das histórias que constroem os territórios e os povos sequestrados do continente africano e trazidos para o Brasil.

Tê-la como instrumento legal contribui para que o campo da educação avance no que diz respeito ao direito que a sociedade brasileira tem, sobretudo os afro-brasileiros, à uma educação de fato democrática e que atenda as necessidades das diversidades que tem contribuições significativas para a formação do Brasil.

A experiência educacional no Brasil tem sido marcada pelo racismo, seja pela ausência de conteúdos que valorizem as culturas negras, seja pela falta de formações específicas e materiais didáticos, seja pela reprodução de práticas racistas por parte do corpo das gestões escolares.

Ainda há muitas mudanças que são necessárias serem adotadas para a efetivação de uma educação que combata o racismo e atue pela equidade racial. Nesse sentido, é importante ressaltar que somente a lei não dá conta das lacunas deixadas pela escravidão.

Termos a lei, não necessariamente garante que tenhamos a sua efetivação, já que o cenário da educação brasileira nos mostra que ainda enfrentamos inúmeras barreiras para a sua institucionalização nas políticas públicas educacionais. É preciso que o governo, em todas as suas esferas (federal, estadual e municipal), assuma o compromisso de trabalhar em conjunto com os movimentos e organizações negras na criação de mecanismos eficazes de avaliação e fiscalização da aplicação da lei.

Isso é fundamental para obtermos uma compreensão realista sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas instituições educacionais.

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