O jornalista francês Gabriel Hanot foi o idealizador da Copa dos Campeões da Europa, hoje Liga dos Campeões. Também por isso, o jornal L’Equipe, do qual Hanot foi editor, comemorou os cinquenta anos da competição com um magnífico livro, publicado às vésperas da final de Paris, em 2006.
Nele, dividia a competição em eras. Os anos latinos, com domínio de Real Madrid, Benfica, Milan e Inter, de 1956 a 1966. A era anglo-saxã, de holandeses, ingleses e alemães, até 1985. A década da tormenta, da violenta final de Heysel, em 1985, até o Borussia Dortmund, em 1997.
Depois, os anos business.
Por acontecer num período tratado assim, como dos grandes negócios, não surpreende a final dos novos ricos, Manchester City x Chelsea. É a menos tradicional decisão desde Ajax x Panathinaikos, em 1971.
Imagine o que deve ter sido o encontro entre os campeões da Holanda e da Grécia, numa época em que o mundo era dominado pelo Brasil, de Pelé. Mas o Ajax virou gigante, era criação de Rinus Michels e tinha Cruyff. O Panathinaikos era dirigido por Ferenc Puskas.
O dinheiro dos emergentes não tira o brilho da decisão entre Manchester City e Chelsea. Apenas faz pensar em como eles mudaram a lógica.
O City, ao contratar Guardiola, o mais inovador depois de Johan Cruyff. O Chelsea tem Thomas Tuchel, defensor do jogo do futuro, com seis atacantes, embora a prática traga seu time à finalíssima por não sofrer gols –apenas dez, em 24 partidas sob seu comando.
Por outro lado, a terceira final inglesa, oitava entre equipes de um mesmo país, reunirá na verdade um grupo de Abu Dhabi, contra outro de Moscou.
No início da era business, de acordo com o catálogo do L’Equipe, o Chelsea era sexto colocado da Inglaterra e o Manchester City estava na segunda divisão.
Os dois projetos miraram o sucesso dos históricos. Logo depois de comprar o Chelsea, o magnata do petróleo, Roman Abramovich, viajou para Munique, para assistir a Bayern x Real Madrid. Queria entender tudo sobre Florentino Pérez, seu projeto de poder e de troféus.
Na mesma temporada, chegou à semifinal da Champions pela primeira vez, com o Real eliminado nas quartas de final pelo Monaco.
Aquele ano também foi de novos ricos, com Chelsea, Deportivo La Coruña e Monaco nas semifinais, mas com título do Porto, campeão pela primeira vez na era das tormentas, em 1987.
Mesmo que a eliminação do Real Madrid pareça ampliar a derrota da Superliga, natimorta, o sucesso dos novos ricos é também um sinal de que, às vezes, o dinheiro se contrapõe à tradição. Manchester City e Chelsea sobreviveriam em alto nível, sem seus patronos?
Times muito mais clássicos sucumbiram. O Olympique de Marselha, vencedor em 1993, depois da prisão do corrupto senador Bernard Tapie. Até mesmo o Milan, decadente depois da saída de cena de Silvio Berlusconi.
Campeão em 1986, o Steaua era o time do ditador romeno Nicolae Ceausescu, suspeito de mandar martelar as mãos do goleiro Ducadam depois de vê-lo defender três pênaltis na final contra o Barcelona. “Ducadam teve uma doença rara, mas Ceausescu tinha muito ciúme dos jogadores”, contou Gheorghe Hagi.
Como na tentativa de criação da Superliga, Manchester City e Chelsea não farão uma final de heróis. A Inglaterra tem um lindo campeonato, mas há décadas é o paraíso do picareta internacional.
As estratégias de Guardiola, os passes de De Bruyne, as infiltrações de Kanté e a defesa de Thomas Tuchel são admiráveis. A maneira como City e Chelsea entraram no circuito dos gigantes é bem mais discutível.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.