Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Descrição de chapéu Coronavírus

Vacinas precisam chegar ao mundo todo para derrotar risco de novas variantes do coronavírus

Populações não vacinadas são o paraíso de produção de variantes

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É compreensível que, diante da ameaça de novas variantes potencialmente perigosas do coronavírus da Covid-19, como a famigerada ômicron, a reação dos países que têm a sorte de contar com abundância de vacinas tenha sido "vamos dar doses de reforço para todo mundo". Compreensível, mas essencialmente míope. Há uma chance considerável de que, no fundo, a reação acabe sendo o equivalente de enxugar gelo, um exercício de futilidade.

Por mais que as doses de reforço sejam bem-vindas, o foco do esforço vacinal, a esta altura do campeonato, deveria ser cada vez mais global e local ao mesmo tempo. Primeiras e segundas doses precisam chegar aos países (e também às regiões do Brasil) que ainda não as receberam em abundância suficiente, ou a máquina de produzir variantes perigosas do vírus vai continuar rodando a todo vapor.

O motivo por trás dessa afirmação tem a ver com aspectos básicos da biologia molecular viral (ou de qualquer outra criatura da Terra que tenha material genético, na verdade). Tem gente que costuma chamar o DNA das nossas células de "Livro da Vida" e, por mais que a expressão sugira certa aura mística, o fato é que existem algumas semelhanças entre o genoma e um livro.

Cientistas da Universidade de Hong Kong conseguiram capturar pela primeira vez a imagem da variante ômicron do coronavírus com a ajuda de um microscópio, informou a instituição em um comunicado na quarta-feira (8)
Cientistas da Universidade de Hong Kong conseguiram capturar pela primeira vez a imagem da variante ômicron do coronavírus com a ajuda de um microscópio, informou a instituição em um comunicado na quarta-feira (8) - HKU-MED

Uma das mais importantes é que tantos os livros quanto o DNA contêm informação que pode ser copiada em massa, e esse processo de cópia, por sua própria natureza, inevitavelmente introduz erros no texto. Ou, se você preferir uma linguagem mais neutra, falemos não de erros, mas de variações textuais —uma versão ligeiramente diferente da história original, digamos.

O RNA (molécula "prima" do DNA) do causador da Covid-19 não foge a essa regra férrea e, quanto mais o vírus consegue produzir cópias de si mesmo sequestrando células humanas, mais variações surgem – é matemático. Muitas delas não servirão para nada, mas pelo menos algumas poderão ser favorecidas pela seleção natural caso seu novo "texto" lhes permita se espalhar pelo organismo humano com mais facilidade.

Populações não vacinadas são o paraíso desse processo de produção de variantes, justamente porque as vacinas diminuem consideravelmente as chances de que o vírus invada novas células e pessoas. (No caso dos atuais imunizantes contra a Covid-19, a barreira contra a transmissão trazida pelas vacinas está longe de ser perfeita, mas ainda assim é considerável, sem falar na proteção contra internações e mortes.)

Para o coronavírus, o mundo é um só —assim como deveria ser um só para nós. Lugares com baixa cobertura vacinal continuarão a imprimir incontáveis cópias do best-seller Livro do Corona, aumentando as chances de que uma delas consiga varar todas as defesas montadas a tanto custo pelo esforço de vacinação. (Em tempo: ainda não sabemos se esse é o caso da ômicron —a verdade é que sabemos muito pouco sobre ela por ora.)

Que ninguém pense que esse é um problema exclusivo dos países africanos. A cobertura vacinal completa dos estados da região do Norte do Brasil, por exemplo, ainda não ultrapassou os 50% da população (em vários casos, menos que isso), e a situação é ainda menos confortável em muitos municípios. Enxergar a média nacional não dá conta de compreender essa heterogeneidade que é perigosa para os que moram na África do Sul e em Manaus, mas também para todos nós.

Sabemos exatamente o que precisa ser feito. Temos as ferramentas para agir. Para proteger cada um de nós, é preciso proteger a todos.

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