Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

Quarentena traz oportunidade de reconhecer gerações incríveis

Reprise na Globo mostrou a melhor seleção feminina de todos os tempos

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Passei a vida ouvindo todo o mundo falar dos encantos das seleções de 1970 e 1982. Ainda não era nascida em nenhuma dessas Copas, mas já li muito sobre elas, vi documentários, tenho na estante biografias de jogadores que participaram daquelas conquistas.

Mas finalmente, durante esta quarentena, tive a oportunidade de efetivamente conhecê-las. Com a reprise de todos os jogos do Brasil nas duas edições, pude me encantar “ao vivo” com a magia de Pelé, Tostão, Rivellino e companhia em 1970, depois com Sócrates, Zico, Falcão e grande elenco em 1982. Deu para entender por que essas duas gerações marcaram a história do futebol e são comentadas no mundo inteiro até hoje —inclusive aquela que não foi campeã.

Depois teve o tetra e o penta, também reprisados nestes dias de isolamento, e eu pude voltar num tempo que vivi e que estava guardado nas minhas mais doces memórias de infância.

Marta, ao centro, e Cristiane, à direita, comemoram gol do Brasil sobre os Estados Unidos na final do Pan de 2007
Marta, ao centro, e Cristiane, à direita, comemoram gol do Brasil sobre os Estados Unidos na final do Pan de 2007 - Moacyr Lopes Junior - 26.jul.2007/Folhapress

Mas nenhuma reprise, para mim, foi tão marcante e tão importante como a do último domingo —a final do futebol feminino nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. Em 2007, eu, obviamente, era mais velha do que em 1994 e 2002, então deveria ter uma memória mais viva do que aconteceu.

Lembro que vi o jogo com amigas da faculdade, lembro que Marta e Cristiane já encantavam em campo, mas definitivamente não me lembrava do placar, nem dos gols. Não saberia descrever nenhum deles —como sempre soube detalhar, por exemplo, a troca de passes da defesa até o ataque que resultou no golaço de Carlos Alberto Torres, o quarto na final de 1970 em cima da Itália, que eu nunca tinha visto na íntegra.

As jogadas geniais daquela que provavelmente foi a melhor seleção feminina de todos os tempos nunca mais foram reproduzidas na TV depois de 2007. Ao menos não como a gente tem o costume de ver e debater as seleções masculinas do passado.

O mesmo time que deu show no Maracanã diante de mais de 70 mil pessoas no Pan viajou para a Copa um mês depois para conquistar o maior feito do Brasil na modalidade: um vice-campeonato mundial. Que incluiu uma goleada de 4 a 0 em cima dos Estados Unidos (agora sim com time principal e completo) num jogo épico com um dos gols mais lindos da história —aquele em que Marta parte pela esquerda, arranca, dribla e empurra para as redes.

Tudo isso numa época em que o Brasil não tinha uma liga de futebol feminino. Quase 40% das jogadoras atuavam fora do país, e as que encontravam algum clube por aqui ganhavam uma média de R$ 250 para disputar torneios regionais em poucos meses do ano. Elas fizeram muito mais do que jamais foi oferecido àquela seleção. E onde ficaram essas memórias? Não ficaram.

No chamado “Museu da Seleção Brasileira” localizado na sede da CBF, não há praticamente nenhum metro quadrado dedicado à seleção feminina. Não existe qualquer registro da conquista do Pan, das duas pratas olímpicas (2004 e 2008), do vice-campeonato Mundial no lugar criado para preservar as memórias da seleção.

Não contar essa história é uma tentativa de apagá-la, de fingir que ela nunca existiu. E se muitos tiveram a chance de ver em ação nessa quarentena os times dos quais sempre ouviram falar (como os de 1970 e 1982), na reprise do Pan conseguimos assistir ao time sobre o qual nunca ninguém falou.

É preciso lembrar o passado para valorizar o presente. Se hoje há mais visibilidade e estrutura para o futebol feminino no Brasil, isso se deve à luta dessas mulheres que vieram antes. Nesse caso, recordar é reconhecer.​

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