Desde os tempos do “pão e circo” no Império Romano, convencionou-se associar o esporte (que é uma forma de entretenimento) à alienação política. Mas a própria natureza dessa expressão já mostra a proximidade dessa relação que muita gente acha distante.
Tanto o esporte é política que a política faz uso dele como instrumento de alienação. Por muito tempo, essa estratégia deu certo, mas, nas ocasiões em que o esporte não se deixou manipular, ele assumiu um protagonismo que incomodou (e muito) os políticos.
O que estamos vendo acontecer no basquete americano mostra o pão e circo às avessas. O esporte entendeu seu papel político, o assumiu com maestria e começa a incomodar os poderosos às vésperas de uma eleição presidencial nos Estados Unidos.
Se as bolhas da NBA e WNBA eram para entreter o público neste momento difícil de pandemia, jogadores das duas ligas decidiram usar suas plataformas para dar voz a uma causa urgente lá, cá e no mundo todo: o combate ao racismo.
Os jogos voltaram com atletas se ajoelhando durante o hino e vestindo a camisa do "Black Lives Matter" ("Vidas Negras Importam"). Aí, quando mais um caso de violência policial contra um negro chocou a sociedade americana, o esporte decidiu sair de quadra para colocar os holofotes sobre aquilo que mais importava naquele momento.
O discurso da repórter Zora Stephenson, que cobre o Milwaukee Bucks, primeiro time a boicotar os jogos de playoffs da NBA, resumiu muito bem a situação: “Quando você fala em querer mudança, todos nós temos que nos perguntar: do que estamos dispostos a abrir mão? Você pode falar, tuitar, protestar, doar, mas o que você está disposto a perder até ver aquela mudança realmente acontecendo?”.
Na WNBA, jogadoras vestiram camisas com o nome de Jacob Blake, alvejado pela polícia com sete tiros nas costas, que traziam desenhos de balas na parte de trás.
Os jogos adiados tanto tiveram impacto que o presidente Donald Trump precisou falar sobre eles.
“Eles viraram uma organização política e isso não é uma coisa boa”, disse o mandatário. Para ele, definitivamente não é uma coisa boa, já que muitos atletas têm se manifestado a favor do seu adversário nas eleições presidenciais por não se verem representados por uma pessoa que exala preconceito e indiferença com questões urgentes, como o racismo.
Qualquer semelhança com o presidente do Brasil não é mera coincidência. Aqui, a sorte da política é que o esporte ainda não entendeu plenamente seu papel nela.
Lições do futebol feminino
Duas situações no futebol feminino na última semana chamaram a atenção. A primeira foi a atitude do 3B, ao ceder suas jogadoras para disputarem o Brasileiro, Série A1, para o Iranduba, seu principal rival.
Com o Hulk, apelido do time, totalmente quebrado pelo abandono do seu patrocinador e sem conseguir manter o time para a disputa, só restava à equipe manauara o abandono da competição, que geraria uma punição pesada para o clube. Veio do maior rival a salvação, e o futebol feminino mostra que carrega uma causa além da rivalidade.
Outro exemplo importante veio na partida entre Corinthians e Ferroviária, no retorno do Brasileiro, quando todas as jogadoras e a comissão técnica do time alvinegro se ajoelharam com os punhos cerrados para o alto durante o minuto de silêncio. Na partida entre São Paulo e Minas Brasília, no último domingo, isso também aconteceu, e o Avai Kindermann fez o mesmo no seu jogo. Um gesto simbólico pelo combate ao racismo que tem muito mais peso quando é feito em grupo.
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