Uma frase foi muito repetida ao longo da última semana desde que Cristiano Ronaldo chegou aos 111 gols pela seleção portuguesa. O atacante, um dos melhores jogadores da história, quebrava mais um recorde para se tornar o maior artilheiro de seleções no mundo.

O maior artilheiro de seleções da história no futebol masculino. Faltou esse complemento. Talvez porque muita gente não saiba que há uma artilheira que já ultrapassou (e muito) esse número. A canadense Christine Sinclair, campeã olímpica em Tóquio, tem 187 gols pelo Canadá. Ela é a maior artilheira de seleções da história do futebol feminino.

Muita gente se incomoda quando citamos números de mulheres no futebol que superam os dos homens. Dizem que é uma tentativa de comparação entre futebol feminino e masculino, categorias diferentes do mesmo esporte. Os incomodados, aliás, costumam ser os homens, que desprezam os feitos dessas mulheres como se eles fossem irrelevantes. Como se o futebol jogado por elas fosse descartável.

Mas não importa o que cada um pensa sobre o futebol feminino ou masculino. Números são absolutos. Você pode até achar que os 187 gols da carreira de Sinclair são menos importantes do que os 111 da carreira de Cristiano Ronaldo (ainda que eu duvide que você tenha visto todos os gols dela e dele ou saiba todos os adversários que os sofreram para querer minimizar o feito de um ou de outro). O que você não pode é apagar 76 gols.

Sendo assim, podemos dizer que Cristiano Ronaldo é o maior artilheiro de seleções da história do futebol masculino. Christine Sinclair é a maior artilheira de seleções da história do futebol feminino. E se formos falar desse dado sem especificar o gênero, a referência tem que ser o número maior. Sendo assim, Sinclair é a maior artilheira de seleções da história, com 76 gols a mais do que Cristiano Ronaldo, o segundo nessa lista.

A gente se acostumou a falar “futebol” sem gênero quando fala do futebol masculino. Por isso, mulheres como eu cresceram achando que não havia referências femininas nesse esporte.

Número não tem gênero. Esporte tem. Então ou se usa o número e se especifica o gênero ou se usa o número absoluto (e, se for o número absoluto, prevalece o número maior).

Por exemplo, Daniel Dias é o maior medalhista paralímpico da história do esporte. Eu não preciso dizer “esporte masculino”, porque ninguém (nem homens, nem mulheres) têm mais medalhas do que ele em Jogos Paralímpicos. O mesmo caso de Michael Phelps. Ele é o maior medalhista olímpico da história do esporte, considerando os dois gêneros. Mas, podem apostar, se um dia uma mulher ultrapassar o número de medalhas que ele conquistou, vão começar a dizer “maior medalhista feminina da história do esporte”.

E ali surgirão os argumentos de pessoas tentando desmerecer o feito de uma mulher considerando que o esporte masculino é mais difícil, que Phelps tinha adversários mais complicados, etc, etc.

Já repararam que, quando se fala em dados de mulheres no esporte, o feminino está sempre junto? Por que não especificar também quando se fala dos homens? Por que os números dos homens no esporte são sempre absolutos -e os das mulheres, ainda que sejam às vezes maiores do que os deles, nunca se bastam?

Acredito que muita gente não sabia da existência de Sinclair, nem dos gols que ela fez. E se a gente nunca falar dela (e dos feitos das mulheres no esporte), nunca vão saber. Assim como existem muitos homens extraordinários no futebol (como CR7), existem muitas mulheres extraordinárias. O problema é que nunca nos contaram sobre elas.