Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça

Carta à seleção sub-20: que o futebol delas não seja invisível

Ótima campanha na Copa do Mundo deveria ter sido noticiada, registrada, destacada

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Era para ser algo simples. Jogar futebol na rua, na quadra, na escola, sem ter que implorar para deixarem, para ouvirem, para tocarem a bola. Era para ser simples brincar do que vocês gostavam, não daquilo de que achavam que vocês tinham que gostar.

Aliás, era para ser simples sonhar. Os meninos que jogavam com vocês sempre diziam "quero ser jogador de futebol". Querer não era poder, nem para eles, mas ninguém lhes negava um sonho. Para vocês, não. "De onde você tirou isso, menina?" Não tinha mesmo de onde tirar. Onde estavam as mulheres que jogavam bola? Os jogos que vocês viam na TV só tinham homens, era difícil mesmo acreditar que ser jogadora de futebol era uma possibilidade.

Mas vocês nasceram mulheres. Não nasceram para aceitar a lógica, mas sim para subvertê-la. Foi assim que você, Lauren, viu seu pai percorrer 200 km diariamente para levá-la ao treino do único clube que aceitava meninas da sua idade, o Centro Olímpico. Você conheceu a Yaya, que começou lá também.

Foi driblando muitos obstáculos que você, Luany, descobriu o projeto social "Daminhas da Bola" e ali encontrou oportunidade para poder fazer o que mais gostava. A Tarciane a conheceu por lá também. De Belford Roxo para o mundo, a terceira melhor jogadora da Copa, parece surreal, né? Vocês nunca duvidaram.

Tarciane comemora gol marcado contra a Holanda na partida que valeu a terceira colocação da Copa do Mundo à seleção brasileira - Xin Yuewei - 28.ago.22/Xinhua

É verdade que vocês nasceram num tempo em que o futebol feminino não era mais proibido, mas parecia invisível. Era difícil descobrir onde e como vocês conseguiriam jogar, disputar campeonatos, desenvolver-se para um dia estar numa Copa do Mundo. Não deixavam vocês jogarem com os meninos nos torneios infantis, mas não havia competições de meninas nessa idade. Não era proibido, mas, no fundo, era, né?

Cada uma de vocês tem uma história diferente, mas sempre com um ponto em comum: jogar futebol nunca foi algo simples. Quis o destino que o caminho de todas se cruzasse com a primeira comissão técnica da seleção sub-20 efetivamente formada por pessoas que vieram do mesmo lugar que vocês. Um lugar de luta por reconhecimento para o futebol feminino.

Jonas Urias, um técnico que ajudou a desenvolver o a base feminina atuando no Centro Olimpico; Jessica de Lima, a auxiliar, uma ex-jogadora que passou pelas maiores dificuldades para viver de futebol no Brasil e hoje luta para que as jovens que vestem a camisa dessa seleção não tenham que passar pelos mesmos sacrifícios.

Esse time, antes mesmo de ir para a Copa do Mundo, criou uma identidade: sempre juntas. Vocês tiveram voz para desenvolver e executar uma ideia (de jogo, de comportamento, de luta por um objetivo em comum). E, mesmo sem uma preparação digna (a CBF proporcionou apenas um amistoso internacional antes da competição), mesmo estreando contra as então vice-campeãs mundiais e favoritas ao título, vocês conquistaram a melhor campanha da história do Brasil numa Copa do Mundo sub-20.

O time do Brasil, terceiro colocado no Mundial sub-20 - Xin Yuewei - 28.ago.22/Xinhua

Um terceiro lugar (igualando a posição alcançada em 2006), mas com cinco vitórias e apenas uma derrota, 13 gols feitos e 3 sofridos. Fazia 16 anos que o Brasil não chegava a uma semifinal de Copa do Mundo na categoria sub-20. Fazia 15 anos que uma seleção feminina não terminava uma Copa do Mundo no pódio (em qualquer categoria). Vocês fizeram história.

Era para ser algo simples também ter essa história noticiada, registrada, destacada. Mas, olhando as editorias de esporte dos principais jornais e sites do país, nenhuma linha sobre a conquista de vocês. O futebol feminino para muitos ainda parece invisível.

Ainda bem que, sendo simples ou difícil, vocês foram treinadas para não desistir. Sempre juntas, contem comigo.

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